sexta-feira, 7 de julho de 2023

O grande mistério do universo

Mesmo que, conforme assegura a mãe do narrador de Montevideu (que talvez seja ou não Enrique Vila-Matas), o grande mistério do universo é que haja um mistério do universo, não é possível negar que o mundo continua a ser "tão estranho" agora como há-de ter parecido ao rapazito que questionava a progenitora no Paseo San Joan de outrora. Na sua habitual crónicas das sextas-feiras no El País, Juan José Millás enumera hoje, aliás, alguns exemplos da má organização do mundo: que haja pobres, miséria, classes sociais, a extinção das baleias e das abelhas, as inúmeras doenças e o peso das garrafas de gás para as pessoas da sua idade. Seria possível, claro, acrescentar muitas outras provas da estranheza do mundo, do terrorismo à guerra, passando pelo ódio aos desgraçados que deixam para trás as suas terras, as suas casas e as suas famílias em busca de uma vida melhor (procurando renascer, conforme escreve Vila-Matas em Montevideu). Ou que os políticos dediquem tanto do seu tempo a mentir e a procurar enganar, ao ponto de, dizia Vila-Matas no mais recente Café Perec, adquirirmos a certeza de que só existem duas coisas infinitas, o universo e a estupidez, ainda que não haja certeza sobre a infinitude do primeiro. O mundo, repito, é definitivamente estranho, estranho e estúpido, mesmo se o nevoeiro matinal já se dissipou e pela janela aberta entre o sol, o crocitar de uma pega rabuda, o murmúrio das folhas que a brisa agita e o gorjeio distante das crianças.