Tomando apenas como referência a mais recente edição do suplemento Babelia, do El País, e para não ir mais longe, nem mais perto, encontrei nele artigos dedicados ao "romance branco heterossexual", ao "século de ouro feminino", à "arte nativa" e a um suposto "grande romance trans", para não falar do texto entitulado "Quando a mulher é homem".
Nada contra, bem entendido, um grande romance ou uma obra-de-arte que seja negra, feminina, trans, homo ou marciana (ou o seu exacto oposto). Mas embirro com caixinhas, capelinhas e maniqueísmos, desde logo por ser do tempo em que um grande romance, uma grande pintura, uma grande escultura, um belo bife mal passado, uma sonata, um filme ou uma cantiga eram avaliados, creio, pela sua qualidade intrínseca e não por serem, à partida, isto ou aquilo, branco, hetero, nazi, trans ou às pintinhas, por praticarem (ou não) linguagem inclusiva, por usarem meia-dúzia de palavra vernaculares ou por serem produzidos por anões, japoneses, hermafroditas, congoleses ou celebridades instantâneas. Eram apenas aquilo que valiam ou deixavam de valer do ponto de vista artístico — e não me parece aceitável exigir-lhes mais do que isto.
Há coisa de dois anos, falando com um organizador de "eventos" a propósito de um dos meus inconscientes livros, disse-me o indivíduo que outro galo (me) cantaria se fosse uma mulher negra ou alguém facilmente enquadrável em alguma das categorias artísticas que mobilizam a atenção e a preferência da(s) dita(s) indústria(s) criativa(s). Considerando-o devidamente, prometo, pois, voltar a mostrar aquilo que insensata e diletantemente produzo quando e se, algum dia, for capaz de escrever algo que se assemelhe a um grande romance negro, branco, amarelo, trans, hetero, homo e às bolinhas.