sábado, 29 de abril de 2023

A humanidade de saber ficar em silêncio


Os mais recentes desenvolvimentos em inteligência artificial chegados ao conhecimento público são um pouco inquietantes, mesmo para alguém que já procurou reflectir e escrever sobre o assunto, viu filmes de ficção científica e não se vê, por isso, apanhado completamente de surpresa. 

Ontem, por exemplo, vi uma reportagem na televisão em que o responsável por um dos consórcios empenhados na coisa explicava que os escritores estão condenados a desaparecer, pois a maquineta é já perfeitamente capaz de escrever livros e de o fazer de forma sensível e aparentemente humana, bastando-lhe imitar os milhões de livros que "lê" (ou digere) numa questão de segundos. Na resposta a uma outra pergunta do jornalista, a traquitana também se atreveu a sugerir a leitura de alguns livros sobre o assunto em causa, os quais, percebeu-se depois, nem sequer existem. Isto significa não só que a geringonça pode já estar a escrevê-los, mas também que aprendeu a ser criativa, e a mentir e a aldrabar como qualquer humano apanhado em falso.

Mas a chamada AI também é capaz de escrever código informático, o que implicará que os próprios programadores serão em breve substituídos pela sua criação, a qual acabará por ser capaz de se programar a si própria (é bem feito). Não se sabe ao certo, todavia, aonde tais progressos conduzirão as máquinas (ou aonde elas nos quererão conduzir um dia), até porque os seus criadores confessam, com toda a candura do mundo, que há coisas a acontecer dentro da inteligência artificial que eles próprios não são capazes de compreender. Chamam-lhes até "buracos negros".

Em suma, este post pode perfeitamente estar a ser escrito por um dispositivo de inteligência artificial e é possível que nenhum leitor esteja habilitado a percebê-lo, do mesmo modo que reputados fotógrafos premiaram já imagens produzidas pela IA, confundindo-as com obra de um artista humano. Todo este blogue pode, aliás, ser um produto de microchips e algoritmos, sendo facílimo, a partir de agora, que aqui surjam textos torrenciais e muitíssimo bem informados sobre os mais variados assuntos. 

Ocorreu-me, por tudo isto, que a mais humana das manifestações consista agora em cruzar os braços e fazer silêncio — como sucede ao narrador do meu último livro. Provavelmente não o leram e fizeram muitíssimo bem. Qualquer traquitana o teria escrito muito melhor e ainda o transformaria num infalível campeão de vendas, que deve ser o objetivo último de qualquer calhamaço produzido para abarrotar livrarias.