quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Uma barbearia em cada esquina

 













Existia diante do mar da Foz, na Rua do Coronel Raul Peres, um estabelecimento cujo nome era particularmente bem apanhado. Chamava-se A Última Loja de Bicicletas Antes de Nova Iorque, designação que, sendo uma mentira pegada (nos Açores também se vendem e compram velocípedes), possuía algo de poético. Era possível imaginar Nova Iorque lá ao fundo, do outro lado do Atlântico, logo após a dobra da linha do horizonte, e também conceber a louca ideia de percorrer esse imenso caminho de água pedalando e pedalando na bicicleta adquirida na última loja antes da travessia do deserto líquido.

Agora já não resta senão devanear. A loja fechou e no seu lugar abriu uma barbearia, um desses parlours agora tão na moda que vão tomando conta de todas as ruas e de quase todos os espaços comerciais, de algum modo como se as pessoas do Porto (do mundo?) tivessem subitamente descoberto a urgente necessidade de se escanhoarem, cortarem o cabelo ou apararem a barba. Já quase não existe esquina em que não se tenha instalado um destes estabelecimentos, quase todos iguais, com um reclame rotativo à porta em azul, vermelho e branco, grandes cadeirões, luz escassa. Os próprios barbeiros destes lugares me parecem todos iguais ou saídos do mesmo molde, tão diferentes, em todo o caso, do meu tio Teixeira, encarregue das minhas tonsuras há quase meio século, ou dos profissionais que ainda atendem na Garrett, no Salão Ferreira ou no Salão Veneza.

Há-de haver, penso, um motivo qualquer, alguma razoabilidade económica que, para além da vaidade, justifique tamanha fartura de barbearias na minha cidade. Mas, assim de repente, confesso que não estou a ver.