Era quase inevitável que me lembrasse de Fernando Pessoa e da dupla exclamação de Viajar! Perder Países! enquanto lia Grand Hotel Europa, do holandês Ilja Leonard Pfeijffer, que a Livros do Brasil publicou no ano passado, na colecção Contemporânea — não, todavia, pelas razões mais óbvias, mas por haver neste romance alguma coisa que remete subtilmente para o existencialismo pessimista daquele poema. Em quase seiscentas páginas, Pfeijffer traça um retrato irónico do continente europeu vergado ao peso do turismo de massas que invade e descaracteriza cidades e países inteiros, assim transformados numa espécie de Disneylândia para adultos, a qual simultaneamente beneficia e destrói a rica herança histórica, cultural e patrimonial de um continente com demasiado passado.
Fechado num quarto do hotel que dá nome ao romance, o narrador não se limita, porém, à oportuna reflexão sobre a situação do continente europeu e da indústria turística enquanto forma de evasão e infantilização. Grand Hotel Europa consegue também ser culto, meta-literário e auto-ficcional, uma declaração de amor à tradição cultural europeia, ter um enredo amoroso e ser um livro de aventuras, com Ilja e Clio em busca do último e extraviado quadro de Caravaggio, uma Maria Madalena fazendo penitência no deserto, que teria sido pintada pouco antes da morte do artista, em 1610.
Ora cómico, ora sentencioso, o romance não esquece outras questões relacionadas com a temática da viagem — como os fluxos migratórios de refugiados ou a florescente e inconciliável indústria das experiências supostamente únicas e autênticas impulsionada pelas redes sociais — ou com o peso que a tradição artística europeia coloca sobre os ombros dos criadores actuais. “O passado pesa-lhes, como uma carga de chumbo, nos ombros. Todos esses artistas (demasiado conscientes da tradição) começam a executar as suas obras com o pensamento paralisante de que tudo já foi anteriormente feito, executado e dito”, lê-se a dado passo.
Trata-se, pois, de um livro altamente recomendável, já considerado um dos grande romances europeus contemporâneos, cujo único senão reside numa tradução talvez demasiado literal do original neerlandês, a qual, sem uma revisão atenta, deu origem a uma quantidade excessiva de frases capazes de arranhar ouvidos mais sensíveis. Mas nem assim o livro se perde.