Não se sabe ao certo de onde era natural Micael Espinosa, pai do filósofo racionalista Baruch Espinosa, nascido em Amesterdão em 24 de Novembro de 1632. Os documentos históricos parecem atestar, porém, que se tratava de um judeu português escapado ao decreto régio de expulsão, de 1496. Mas havia Espinosas em várias partes de Portugal, de Viana do Castelo à Vidigueira, pelo que os estudiosos se dividem relativamente à terra de origem de um dos maiores vultos intelectuais do século XVII. De todas as teorias, agrada-me particularmente aquela segundo a qual os Espinosas que fugiram para Amesterdão eram de Castelo de Vide, ou aí se tinham estabelecido, como os Orta, depois da expulsão de Espanha, em 1492. Atesta-a o facto de ainda hoje existir na vila, bem perto do meu refúgio, a Rua das Espinhosas, assim chamada por originalmente ali residirem os Espinosas que a inquisição obrigou a procurar ares menos beatos. Imagino, pois, que Micael conversava com Garcia de Orta sentado no murete em volta da Fonte da Vila, escutando a cântico das águas, e que depois subiam a minha rua a caminho do mercado ou da Sinagoga. Os Ortas foram depois para Goa, onde morreram (Catarina, a irmã de Garcia, foi queimada viva pela inquisição) e os Espinosas salvaram-se entre os holandeses, não sem que Baruch tenha sido excomungado pelos responsáveis da Sinagoga de Amesterdão. Pensar pela própria cabeça era, então, uma actividade relativamente perigosa. Às vezes ainda é.