Os escassos leitores dos meus escritos conhecerão o meu desejo de miscigenação, de mistura, de contaminação do Português que uso com palavras de outras latitudes que o enriqueçam e diversifiquem. Mas nunca me ocorreu levar este desafio tão longe quanto o Valter Hugo Mãe agora engendrou no romance As Doenças do Brasil. Nele, o Valter não só inventa um país e uma geografia, as suas tradições e os seus estrambólicos deuses, como recria, sobre a sintaxe e a semântica na nossa língua, o novo idioma em que narra as vidas de Honra e Meio da Noite, corpos estranho numa tribo anterior ao mal, à chegada do mal, mas na qual a insídia já penetrou. Nesse idioma compreendi expressões do Tupi-Guarani, mas também pura poesia, divagações e invencionismo; às vezes faz lembrar a Língua do Mia Couto, às vezes evoca a Língua do Luandino Vieira, também ecos de Vaz Caminha e Guimarães Rosa, ressonâncias do padre António Vieira. Mas há, no idioma dos abaeté e no espírito do romance, sobretudo uma tremenda vontade de criar, um impulso demiúrgico perante o qual é impossível ficar indiferente. A minha vénia, pois,