quinta-feira, 16 de dezembro de 2021
Manual de loucura e caligrafia
Vou escrevendo. Uns dias mais, uns dias menos, outros porque tem de ser. Recolho migalhas, traço linhas, componho frases até me doerem as costas e o dia cessar, uma cigarrilha após a outra — venenos que hei-de tossir depois. Às vezes não há explicação plausível para o frémito que sinto: inventar frases assemelha-se a uma compulsão, a um impulso maníaco que não permite fazer mais nada, pensar em nada, planear o dia após. Então saio de casa para comprar mais tabaco, esticar as costas, respirar ar novo, mas todos os meus passos se apressam para regressar à única casa que nunca se desarruma, que não ganha pó, onde sempre estou: escrevendo. E nunca sei porquê, para quê, se me doem as costas e fumo demais, se nunca posso sossegar e colher um fruto maduro no pomar que planto e rego, ameigo e cuido, e tantas, mas tantas vezes, tenho vontade de cortar com o fio de um machado que mate, descarne, envenene e queime.