Quase não temos conversado à distância, entre o Porto e Belo Horizonte. Mas creio deveras que o Paulinho Assunção tem formas secretas de visitar a minha cabeça. Adivinhou, por exemplo, que tenho andado a matutar num texto em torno do filosófico Dorival, o gato hermeneuta, que conheço de ver no instagram, quase sempre sentado, deitado ou escondido sobre ou entre amáveis pilhas de livros. Apenas este conhecimento telepático explica que esta manhã o Paulinho tenha publicado duas fotografias do Dorival, como exigindo-me que me sentasse e, enfim, escrevesse o adiado post.
Dorival é um gato amarelo e felpudo, com uma qualidade metafísica que talvez o assemelhe a um dos gatos favoritos do Manuel António Pina. Tende, a avaliar pelas fotografias, para o convívio com os livros. Às vezes protege-se atrás de um Baudelaire, outras repousa sobre um Todorov. Lembro-me, ao vê-lo, de um outro gato que passou férias cá em casa, um felino bebé e agitado que, sozinho em casa, ia esconder-se e dormir no espaço livre das estantes, por trás dos livros, sujando-se de pó e frívola erudição.
Ocorre-me, pois, que a lenta observação dos gatos pode ser uma forma tão boa como qualquer outra de participar no jogo activador de esquisitices, eliminando a distância física que separa o Douro de Belo Horizonte. Mas é só uma hipótese que devemos estudar com tranquilidade e circunspecção, enquanto declaramos quietos palíndromos mudos às moças em trânsito com felinos passos de não-te-vejo.