Um dos motivos pelos quais ainda tenho algum gosto por este
blogue está relacionado com o facto de, noutros tempos, os textos que aqui
publiquei terem sido lidos pelo Manuel António Pina – e que saudades temos do
Pina e que falta que nos faz aquilo que ele escrevia para os jornais e para as
revistas.
Esta manhã, enquanto lia a colectânea póstuma “Crónicas,
Saudade da Literatura” para me distrair da electro-estimulação dos músculos da
perna direita e das conversas dos outros idosos da fisioterapia – a vida nos
bairros sociais, as casas sem condições, o hálito a vinho de um homem qualquer,
a mãe que matou as duas filhas – encontrei a crónica “Mundos Alienígenas”, da
qual o Pina me falou uma vez: disse-me que tinha escrito na Notícias Magazine
alguma coisa sobre as minhas viagens de autocarro, mas eu nunca cheguei a ler o
texto. Li-a apenas esta manhã, constatando que o Pina cometeu a proeza de
incluir o meu nome da mesma frase onde também aparece o do energúmeno Pedro
Passos Coelho.
Ora a minha convivência, numa mesma frase, com Passos Coelho
é, assim de repente, uma das coisas mais alienígenas que me aconteceram, muito
mais estranha do que todas as conversas destrambelhadas dos autocarros, do que
o mundo cor-de-rosa das Bibás e das Mituxas, ou do que a vida das outras idosas
da clínica fisiátrica. Lida cinco anos depois, a crónica do Pina parece-me
produto de um universo paralelo e de um mundo que era um pouco melhor pelo
simples facto de o Manuel António Pina ainda nele viver, fumando cigarrilhas e
telefonando para contar anedotas e histórias intermináveis.