segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O acordeonista que fugiu de um livro

Durante uma conversa recente com formandos da escola profissional de teatro do Externato Delfim Ferreira, em Famalicão, um dos alunos garantiu que tinha visto, numa ponte de Paris, ou numa rua, já não sei bem, o acordeonista húngaro que descrevo no romance Uma Mentira Mil Vezes Repetida. Expliquei-lhe que inventei aquela personagem por sugestão involuntária da cantora cabo-verdiana Mayra Andrade, a qual, num concerto a que assisti, referiu de passagem um músico que costumava ver tocar quando atravessava a ponte a caminho da ilha de Saint Louis. Tudo o resto, o modo de tocar, a aparência física, o repertório, inventei-o enquanto escrevia o romance. O rapaz, todavia, garantia que tinha visto o acordeonista do livro com os próprios olhos, exactamente aquele que eu havia escrito, o que de algum modo é o mais incrível que pode acontecer a alguém que cria ficções: imaginar que os seus bonecos de papel e tinta ganham vida própria e vão tocar acordeão nas pontes de Paris.