sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Suave milagre da luz impossível


Fui hoje ao Jardim Botânico para experimentar uma máquina fotográfica vintage, demasiado complicada para quem está habituado às facilidades das câmaras digitais. Andei caminhando à chuva e fotografando quase tudo: os perfis de árvores nuas, a geometria das folhas caídas, os sombrios caminhos entre o arvoredo. Ao fundo do jardim, quando estava já convencido de que apenas fixaria imagens deste quase Inverno pardacento, deparei com o recanto atapetado pelas folhas amarelas de dois ginkgos, o chão reflectindo uma luz irreal que parecia não vir de lado nenhum, mas nascer das próprias folhas, contrastando com o tom escuro de tudo o que havia ao redor. Fotografei de vários ângulos o suave milagre da luz impossível, tendo inclusivamente usado o telemóvel para me assegurar de que pelo menos guardaria alguma coisa desse instante, no caso de a complexa operação da câmara analógica me trair. Agora, regressado a casa, tenho quase a certeza de que o rolo da máquina não registou nada. E a fotografia do telemóvel revelou-se fraca, tremida, pouco exacta na tarefa de reproduzir o que vi. Terei, por isso, de contar apenas com a memória quando me quiser lembrar de ali ter estado, debaixo da chuva e da lenta queda das folhas amarelas do ginkgo.