quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Tragam tractores para cavar um grande buraco e enterrar os nossos corpos
Tenho, nos últimos dias, lido várias referências a uma distante comunidade indígena brasileira, cujos membros estão dispostos a morrer, todos juntos, na terra que lhes pertence. Numa carta que enviaram ao governo e ao tribunal federal, os 170 Guarani-Kaiowá que restam em Pyelito Kue (nos últimos dez anos ter-se-ão já suicidado mais de 550 índios desta tribo, por confinamento forçado, falta de perspectiva, violência, afastamento das terras tradicionais e vida em acampamentos às margens de estradas) consideram que o Estado lhes impede o direito de sobreviver à margem do rio Hovy. Nesta circunstância, consideram-se vítimas de uma acção de genocídio e extermínio e afirmam ter perdido a esperança de sobreviver dignamente e sem violência, vivendo, como vivem, sem nenhuma assistência, isolados, cercados por pistoleiros e alimentando-se apenas uma vez por dia. “Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tractores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais”, escreveram. Leio-o aqui, ao longe, e, salvo as devidas distâncias, os 170 Guarani-Kaiowá das margens do rio Hovy parecem-me muito semelhantes aos portugueses que, governados por pistoleiros e outros cabrões sem nome, são convidados a abandonar a terra onde nasceram (ou não), as suas famílias e casas, diariamente violentados pelas notícias dos telejornais, comendo já, muitas vezes, apenas aquilo que a caridade permite. Leio a carta dos Guarani-Kaiowá, leio as notícias, escutos os desalmados discursos dos cabrões engravatados acabadinhos de cortar mais um naco da nossa carne – e parece-me que já só falta que venham os tractotes para cavarem o grande e concreto buraco onde, de algum modo, já estamos todos morrendo.