Vai caindo a noite sobre o meu segundo dia de ócio forçado, o qual, outra vez, ocupei a trabalhar em vagos projectos que, concretizando-se ou não, têm ao menos a vantagem de me manter distraído. Estou, pois, como as burguesinhas de outros tempos — recreando-se com jardinagens e bordando nos seus bastidores —, fazendo por dar ouvidos àqueles que me aconselharam a dedicar estes dias aos lavores da literatura.
Pelo menos duas pessoas, aliás, se me dirigiram nestes dias recordando que foi quando se viu despedido do Diário de Notícias que o José Saramago realmente consolidou a sua carreira de romancista. Salvas as devidas distâncias, e não querendo incorrer em nenhuma espécie de soberba, parece-me que a literatura é uma forma de ocupar o tempo tão boa como qualquer outra, ainda que, de momento, não tenha ainda reunido a disponibilidade mental necessária para voltar a escrever.
Para além de me incitar a escrever, um escritor amigo aconselhou-me ainda que o fizesse fora daqui, longe de casa e da cidade; que me refugiasse em algum sítio e que, aí, isolado como Montaigne, desse livre curso às ficções que me ocorressem. Eu, todavia, nunca estive isolado para escrever. Fi-lo sempre perfeitamente mergulhado no quotidiano e nas suas obrigações, pelo que não sei, sequer, se sou capaz de separar a literatura do resto da vida.
Ainda assim, e estando a ler A Ilha, de Sándor Márai, imaginei-me fazendo como o professor Viktor Henrik Askenasi, que viajou para o Hotel Argentina, na costa da Dalmácia, procurando respostas para a pergunta que o atormenta: o que procura afinal? Apanharia, como ele, um escaldão excruciante, e talvez conseguisse, no fim de tudo, fechar-me na suite a escrever, alheio aos grupos de alemães bovinos e aos encantos de uma mulher elegante e ardente de Zagreb. O mais certo, porém, é que me pusesse apenas a apanhar sol no pátio e a observar o movimento dos outros hóspedes.