domingo, 23 de setembro de 2012

A culpa do cheiro que as coisas têm


As ruas da Baixa do Porto cheiram mal. Pairam no ar, constantemente, os eflúvios de uma mistura de caixotes de lixo mal lavados, detritos podres, restos da cerveja e urina levedando. Os turistas, ainda assim, parecem gostar deste chiqueiro. Andam por aí a passear como se padecessem de anosmia e parecem satisfeitos, o que talvez signifique que ser turista é também isto: ser capaz de ignorar os fedores do terceiro mundo. De outro modo, arrepender-se-iam do dinheiro gasto e ficavam com as férias estragadas. O cheiro, porém, sente-se muitíssimo bem. Sentem-no mesmo aqueles que estão já perfeitamente aclimatados, como a mulher que esta manhã abençoava o aguaceiro pesado, que bem falta faz para lavar o fedor que as ruas têm. Sendo do conhecimento geral que a Câmara do Porto é espectacular e zela permanentemente pelo bem-estar dos cidadãos e das actividades económicas, tenho a certeza de que o fedor que se sente não é provocado por qualquer lapso dos serviços de limpeza urbana. Estou mesmo convencido de que, tal como sucede num filme brasileiro que vi há dias, este cheiro que sentimos é do ralo, de um grande ralo que há algures na cidade, empestando o ar a mando da oposição. No domínio do simbolismo, “O Cheiro do Ralo”, de Heitor Dhalia (a partir de um romance homónimo de Lourenço Mutarelli), faz também lembrar um pouco o país que temos e o Governo que se elegeu e agora rege. Portugal tresanda um pouco, fede, vai-se tornando irrespirável, mas Passos Coelho, e os outros da mesma laia, agem sempre como se fossem Lourenço, o comprador de velharias que tem o banheirinho avariado. O mau cheiro nunca é culpa deles. É do ralo.