segunda-feira, 23 de julho de 2012
O meu boné do camisola amarela
A despeito do que sugere o adágio preferido dos tagarelas, as memórias também são um bocado como as cerejas. Por exemplo: vi o velhote dos bigodes arrebitados entrar esta manhã no autocarro e reparei que trazia um daqueles antigos bonés dos ciclistas, com uma pala pequenita voltada para cima; um boné da equipa de ciclismo do Boavista, o qual, porém, evocou em mim o ano em que o Manuel Zeferino ganhou a Volta a Portugal depois de uma fuga espectacular, louca, pelas planícies do Alentejo, indiferente à tortura do calor e dos quilómetros.
A passagem daquele pelotão desconcertado pelas Beiras consta de um dos capítulos de O Teu Rosto Será o Último, o romance de João Ricardo Pedro, assinalando o dia da morte do avô do personagem principal, Duarte. Comentei-o há dias, aliás, com o João Ricardo, precisamente por me lembrar muitíssimo bem da chegada desse pelotão a Castelo de Vide, à Carreira de Cima, talvez porque o meu avô tenha, por minha causa, engolido o seu orgulho e o seu antiportismo ferrenho para ir ter com o Pinto da Costa para lhe pedir um boné da equipa – igualzinho ao que o camisola amarela, Manuel Zeferino, trazia na cabeça, e do mesmo modelo daquele que o velhote do bigode arrebitado tinha na cabeça quando, esta manhã, entrou no autocarro.
Lembro-me da vaidade que senti, nesse Verão, por ter um boné igualzinho ao do Manuel Zeferino, um boné do Zeferino do FC Porto e camisola amarela, e de o ter usado muitíssimo, a despeito da palinha ridícula voltada para cima. E também me lembro de, dias depois, ter posto o chapéu para lavar e de ele ter ficado muito desbotado, com os gomos brancos tingidos de azul. Deixei, por isso, de usar o boné. Depois, perdi-o. Mas ficou-me para sempre na memória.