domingo, 10 de junho de 2012

Clássicos em saldo

Texto da coluna Piolho dos Livros da revista 2 do Público, publicada no dia 3 de Junho



A Feira do Livro já está instalada no Porto, entalada pelo trânsito da Avenida dos Aliados – deve ser caso único no mundo isto de ter que esperar que um semáforo fique verde para poder ir da feira de cima para a feira de baixo e vice-versa –, mas foi ainda no Parque Eduardo VII, há quase um mês, que, enquanto contornávamos a estátua do Marquês, principiou uma conversa amena à volta dos clássicos da literatura portuguesa e da sua pouca presença nas livrarias. O assunto é tão largo e complexo que bem poderíamos passar a tarde a dar voltas à rotunda sem chegar a conclusão nenhuma (e sem sair do sítio), mas pode resumir-se em duas ou três frases dessa conversa. Por um lado, as livrarias concentram-se nas novidades. Por outro, as editoras não apostam nos escritores de outras décadas. E, quando o fazem, os livros também não se vendem.

Um dos casos então referidos, à laia de exemplo, foi o da obra de Virgílio Ferreira, que a Quetzal tem vindo a publicar integralmente. Parece, porém, que os livros não se vendem, ou que se vendem ainda menos do que os outros, afectados todos, se calhar, pelo aperto de cinto que a austeridade impôs. Sintomaticamente, encontrei há dias a informação segundo a qual os livros do autor de Em Nome da Terra podem agora ser adquiridos com 30% de desconto na Bertrand Online. Talvez, com isto, se consiga fazer com que alguns indecisos se resolvam a adquiri-los, do mesmo modo que dei prioridade imediata à compra do há muito adiado Sinais de Fogo, de Jorge de Sena, quando encontrei na FNAC a reedição que a Guimarães fez há alguns anos, com um desconto de alto e pára o baile (40%, se bem me lembro). Decidi-me instantaneamente, apesar das muletas que impediam que transportasse até à caixa o admirável calhamaço (no que fui auxiliado por um simpático funcionário da casa).

Por acaso, ou talvez não, um dia depois da conversa supracitada, e quando descia a pé do Marquês do Pombal para o Rossio, havia uma feirinha de antiguidades na placa ajardinada da Avenida da Liberdade. Só tinha cinco euros no bolso, mas foi quanto bastou para que, quase no fim fileira de mesinhas, me deixasse tentar por outra velharia encantadora: o Alexandra Alpha do José Cardoso Pires, que me lembro de ter lido algures na adolescência e do qual tinha sentido falta alguns dias antes, quando passava em revista a estante dos livros. Não será exactamente a mesma coisa que comprar volumes novos em saldo, mas o recurso aos alfarrábios é sempre uma solução possível para quem queira recuperar, com os clássicos, o tempo perdido na leitura de coisas recentes e nem sempre interessantes. Tem sido assim, aliás, que tenho podido continuar a ler o José Rodrigues Miguéis que já não se encontra nas livrarias, ou que li, ainda há bem pouco tempo, o Uma Abelha na Chuva, de Carlos de Oliveira, ou ainda A Coleira do Cão, de Rubem Fonseca. haja enormes colónias de piolhos nesses livros já amarelecidos e a cheirar a mofo. Mas isso torna-os ainda mais meus do que os outros.