quinta-feira, 17 de maio de 2012
E eles serão felizes, ou muito infelizes, para sempre e tal
A cena, quando a vi, pareceu-me bestialmente literária, ou bestialmente ridícula, ou muitíssimo apaixonada, não sei bem, estas coisas têm a tendência para se confundirem (ou para me confundirem, tanto faz). Numa esplanada da Covilhã, pela madrugada, um sujeito sem dentes à frente, ainda novo, com um sotaque iniludível do interior profundo, pediu silêncio a quem lá estava e declarou-se em voz alta a uma rapariga que estava sentada. Disse "amo-te" não sei das quantas, com as letras todas, escandalosamente e indiferente à austeridade e ao juizinho. A esplanada aplaudiu e, daí a nada, o mesmo pedaço de parvo sem dentes voltou a interromper as conversas e, desta vez, para declarar que não queria pedir a não sei das quantas em casamento, mas algo ainda mais importante e sério. Queria propor-lhe que fosse, ó inclemência, a mulher da sua vida — e pôs a mão desajeitada sobre o peito. As pessoas na esplanada aplaudiram outra vez. Daí a um pedaço, um whisky depois para ser mais exacto, a moça também quis dizer alguma coisa para toda a gente ouvir. Era mais envergonhada do que o mancebo, embora estivesse, aparentemente, na posse dos dentes todos. Em voz baixa, esganiçada, declarou que sim, aceitava, e creio ter ouvido uma referência qualquer aludindo ao facto de "estar à espera de um filho teu", do burgesso romântico, bem entendido. Já não sei se a coisa foi realmente literária, se apenas extraordinariamente ridícula, ou se, por outro lado, sou eu que tenho de deixar de beber depois que o sol se põe.