segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ayahuasca enquanto escurece

Ar de Dylan, o romance de Enrique Vila-Matas, é uma admirável loucura. Vilnius Lancastre é um extraordinário destrambelhado, capaz de investigar a fundo a origem da frase "quando escurece, precisamos sempre de alguém", do filme Three Comrades, escrito originalmente por Scott Fitzgerald. Lembro-me disso agora que aqui, lá fora, também escurece, mas não por causa do lento apagar da luz na praceta tomada pela neblina. Lembro-me de Vilnius por causa de uma frase que ele diz sem saber bem o que significa; aquela frase segundo a qual "as mulheres são como a ayahuasca", uma droga poderosa, capaz, consta, de provocar alucinações e franquear as portas de realidades paralelas, mais leves, etéreas, nas quais as cores são mais intensas e a pele se eriça ao simples contacto com o ar. Talvez, enquanto escurece, se torne mais necessária a presença dessa mulher que provoque o turbilhão dos sentidos, a bebedeira da ayahuasca.

Por causa de uma coisa e da outra, do turbilhão e da neblina que, lá fora, ficou da tempestade, recordo-me da anedota segundo a qual as mulheres são como furacões: chegam quentes e húmidas, e arrasam tudo o que aparece no caminho, levando pelos ares as casas e os carros. Mulheres-ayahuasca: febris, vitais, que invocam tambores enlouquecidos, danças indígenas, rituais satânicos ao som de cânticos ensandecidos. O olho da tempestade que agora, enquanto escurece, enfim amaina. Fica no ar do crepúsculo só a neblina, como o rasto de um véu passando, ligeiro, transparente, enquanto a mulher-tempestade se afasta. Amanhã, ou depois, há-de vir o sol outra vez. Ayahuasca, a poção indígena, fica-me a correr nas veias. O espírito de kunhã i porang, a mulher bonita, está comigo. Sinto-o enquanto escurece.