No diário que manteve durante longos anos, o escritor argentino Adolfo Bioy Casares conta que jantou com Jorge Luis Borges na noite de 31 de Dezembro de 1960. Depois de comerem, foram à varanda da casa de Bioy e Borges disse-lhe algo como isto: “Esperamos alguma coisa que não sabemos bem em que consiste. É estranho que, em tantos anos de vida, nunca tenha havido um momento em que tenha estado tão adiantado no futuro como estou agora”.
Parece um paradoxo, mas os tempos vão mais paradoxais do que nunca. No dia 31 de Dezembro de 2011, quando terminámos de jantar, qualquer um de nós poderia, ainda que por motivos bem menos filosóficos, ter afirmado também esperar do novo ano algo (mau) que ainda não sabemos bem o que vai ser, mesmo que, de algum modo, e a cada dia que passa, se vá tornando cada vez mais claro que estamos perto de adivinhar o futuro, prevendo-o de cada vez que damos voz ao nosso pessimismo mais selvagem. Não sabemos o que vai ser o futuro, mas somos perfeitamente capazes de o antecipar a cada nomeação do governo, a cada conta mal feita, a cada avental transferido para um alto posto do administração ou a cada anúncio de mais austeridade.
Acabo de ouvir mais um desses anúncios. “Mais medidas de austeridade”, avisam os noticiários. Tornou-se, isto, numa espécie de melopeia. De anúncio em anúncio até esse futuro que não se sabe muito bem o que virá a ser, mas onde já estamos, adiantando-nos àquilo que um dia será.