terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Era só, afinal, ter seguido o cherne
Anda toda a gente muito entusiasmada com os dons premonitórios do Paulo Futre mais os charters de chineses que hão-de vir, mas o grande movimento social destes tempos bizarro remontam, parece-me, a anos mais longínquos. No ano de 2002, se a memória me não trai, a doutora Margarida Sousa Uva causou grande espavento ao citar Alexandre Oneill numa mensagem de apoio ao marido, o então candidato a primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso. Gente geralmente mal intencionada passou imediatamente a chamar cherne ao próprio Barroso, e Barroso, ele mesmo, arranjou dali a nada empreguinho certo e bem remunerado lá na estranja, para onde agora, afinal, nos mandam emigrar também, seguindo o caminho do cherne, como no poema de Oneill, “atrás de muito mais que a fantasia”. Foi o que fez, afinal, o grupo Jerónimo Martins e mais os grupos todos que há não sei quanto tempo já se mudaram para sítios onde se paguem impostos mais em conta, que para sustentar a choldra basta que cá fiquem os totós que não sabem fazer mais nada nem gostam muito de mudanças. Rai’s parta mais quem nos mandou ficar quietos a envelhecer enquanto a Uva bem dizia, como num canto de sereia, “sigamos o cherne, sigamos o cherne, sigamos o cherne”, e nós a matutar que somos gente mais de carne, que o peixe não é comida de gente que trabalha e tal. Rai’s parta esta mania de não andar por aí a aceitar “até, do cherne um beijo,/senão já com amor, com alegria”. É bem feito. Quando reencarnar quero vir de milionário ou social-democrata, e a mamar das tetas todas como um leitãozinho guloso. E seguir o cherne, segui-lo, claro, para não acabar, outra vez, sendo não “mais que solidão e mágoa”.