segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Democratas e baleias*



Numa espécie de suicídio colectivo, 99 baleias saíram anteontem da sua zona de conforto, como agora se diz. Rumaram a uma praia da Nova Zelândia e ali ficaram a morrer aos poucos. Faziam lembrar a democracia portuguesa.

De acordo com um estudo que o PÚBLICO divulgou na semana passada, só 56% dos portugueses consideram que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo. A outra (quase) metade prefere já duvidar da célebre frase de Winston Churchill (que Sérgio Godinho transformou em refrão de uma cantiga), segundo a qual “a democracia é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros”. Trata-se, suponho, de gente para quem a justiça, a igualdade de direitos, deveres e oportunidades, bem como a faculdade de escolher aqueles que governam os recursos do país em nome do bem comum, passaram a ser conquistas negligenciáveis, ainda que, pelos vistos, aprecie o direito de expressar livremente a opinião que tem. O paradoxo é perfeitamente compreensível e, de certo modo, já estava explicado na canção de Sérgio Godinho, naquela parte em que diz que “Há muitos países que julgam/Que têm democracia, inclusive,/às vezes, o nosso”.

Não pretendendo sugerir que aqueles 44% de portugueses deviam ser obrigados a sair da zona de conforto que a democracia lhes proporciona, calando-se como no tempo da outra senhora, sou até capaz de reconhecer que os resultados do estudo devem andar próximos da realidade. Bastava ter reparado nas percentagens de abstenção registadas nas últimas eleições, ou ouvir duas pessoas a conversar na rua, para obter um retrato muito semelhante: os cidadãos acham que os políticos se preocupam sobretudo com os seus próprios interesses e com os interesses dos grandes grupos económicos (que os contratam antes e depois do exercício de funções públicas), que são corruptos, que não representam adequadamente o povo que os elege, que desbaratam os impostos, que mentem para ganhar eleições e que são insensíveis às dificuldades das pessoas comuns. E depois, outro paradoxo, os portugueses elegem-nos outra vez.
Os políticos também não se incomodam muito com a fraca opinião que os portugueses têm deles. Desde que possam manter-se no poder, festejam efusivamente os triunfos eleitorais, mesmo se, contabilizada a abstenção, se torna evidente que são eleitos por grupos minoritários de cidadãos.

Segundo o estudo, 31% dos entrevistados já não conseguem identificar uma instituição ou agente de representação política que dê voz às suas preocupações. A segunda maior fatia, 22%, apontava para o presidente da república. Mas isto foi em Julho, antes de Cavaco, o “provedor do povo”, ter dito o que disse sobre os rendimentos de que aufere: que duas reformas chorudas não chegam para as despesas que tem. Talvez agora, como baleias confusas, mais alguns democratas sem cheta se suicidassem metaforicamente, afirmando preferir qualquer outro sistema àquele que permite eleger um presidente assim. Há-de, pois, ser já perigoso referendá-lo.


*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 24 de Janeiro de 2012