De vez em quando, mas já sem pudor nenhum, os eleitos declaram que ali estão para salvar o país e que é por isso que precisam de mais um impostozinho daqui e de mais uma contribuiçãozinha dali (ao que se juntará mais uma lei flexibilizadora e um ou outro arroubo liberal). Os homens providenciais, porém, irritam-me. Pior do que isso, tenho-lhe um certo receio. Fodem tudo, mas fazem-no sempre pelos motivos mais justos e em nome do superior interesse da pátria. Trata-se, na verdade, de uma velha cantiga. Os compêndios de História estão carregados de belíssimas intenções. Os romances também — como sucede com A festa do chibo, do Mario Vargas Llosa, no qual se narra como Trujillo salvou a República Dominicana.
No café, hoje de manhã, o dono já se queixava de que os empregados das Finanças e os polícias passaram a consumir com mais moderação. Imagina o homem que, apesar do aumento dos impostos, o Estado ainda vai conseguir arrecadar menos contribuições. É possível que não se engane muito, mas ninguém o ouvirá. Não é economista, não joga nos flippers da Bolsa de Valores, não tem casa na Foz, não é dono de um Porsche e, por isso, o que ele pense ou deixe de pensar interessa um boi aos que hão-de salvar a pátria, o euro e a união — e que vão recapitalizar a banca; é absolutamente fundamental que a banca se recapitalize.
Lá no estaminé, comunicaram hoje que vários departamentos vão ser descontinuados (inclusivamente o meu). É possível, por isso, que também alguns postos de trabalho acabem por ser descontinuados. Mas podemos estar descansados que ninguém será despedido antes do final do ano, pelo menos até que as leis laborais não se apresentem mais favoráveis ao franco desenvolvimento da economia nacional e, outrossim, à salvação da pátria. Será, então, muito mais barato, e francamente mais progressista, darem-nos um chuto no cu.