Anders Behring Breivik, o vaidoso assassino xenófobo de Oslo e Utoya, comia frequentemente numa pizaria gerida por imigrantes turcos. No “manifesto” que publicou na internet horas antes da matança que veio a praticar, considerava, porém, que os restaurantes dos muçulmanos constituem uma espécie de guarda avançada para a islamização da Europa. Mas é possível que Anders frequentasse o Milano apenas com o fito de poder olhar o imaginário inimigo nos olhos, mesmo temendo que a conquista se fará pelo estômago.
Segundo o El País, o energúmeno evitava as pizas e pedia quase sempre pasta e tarte de maçã. E era “amável”, garante Ali Aykut, o turco que lhe levava a comida à mesa. No diário que mantinha, o indivíduo conta também, na entrada relativa ao dia 25 de Junho, que tinha ido à cidade comprar comida chinesa.
Anders tem, pois, um aparelho digestivo tolerante e cosmopolita, no qual convivem amenamente a gastronomia do sul da Europa preparada por mãos muçulmanas e os acepipes da China (dita) socialista. O problema de Anders reside, assim, na cabeça e na conspiração marxista-islamista que nela se engendrou. E a cabeça de um louco, já se sabe, é uma forja operada por um metalúrgico doido, na qual as coisas mais inocentes se fundem e confundem, dando origem a construções muitíssimo extravagantes e malignas: facas, punhais e lanças, mas também o nacionalismo e a intolerância.
Os loucos assustam-me indistintamente, sejam do Sul ou do Norte, cristãos ou islâmicos, louros ou morenos, norte-americanos ou chineses, russos, transmontanos ou o meu vizinho do lado. Mas o que neles me assusta não é a loucura em si, que até pode ser benévola e doce, mas o facto de saber que o mal está em toda a parte, dentro de todas as pessoas, mesmo daquelas que parecem mais amáveis e boas. Basta um mau impulso, um instante em que o mal labore livre da vigilância comum do bom senso, para que sucedam tragédias inauditas. Todos os dias sabemos de histórias de cidadãos pacatos e simpáticos que perdem a cabeça e matam a filha, a mulher ou o vizinho. O homicídio é sempre um momento de privação do juízo e da razão.
Parece que Anders Behring Breivik, para além de ser amável e inteligente, passava muito tempo a matar insectos e a jogar videojogos, preocupando-se igualmente em manter uma aparência refinada. Nada de muito significativo, afinal. Adolf Hitler gostava de ler e de desenhar os bonecos da Disney. Estaline lia quinhentas páginas por dia e desenhava nus. Mao amava a poesia e as mulheres. Bin Laden apreciava o voleibol. Qualquer grande facínora é, pois, perfeitamente capaz de manter uma vida de gostos inocentes e hábitos comuns. O que os distingue de um cidadão pacato e de um criminoso comum não é, sequer, o assomo da loucura e da crueldade (quem nunca matou, alguma vez, uma mosca?), mas, sim, a capacidade que têm para acreditarem cegamente em ideias inspiradoras, por mais tortas e retorcidas que sejam.
Os loucos assustam-me, pois. Mas do que tenho mais medo é das firmes convicções que eles têm.
*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 26 de Julho de 2011