segunda-feira, 25 de abril de 2011

O equilíbrio impossível*



Sempre que uma obra de ficção parece ser absolutamente espantosa e inventiva, o mais provável é que a realidade se tenha antecipado e conseguido ser ainda mais surpreendente e rocambolesca. Voltei a ter certeza disto por causa de Imposible equilibrio, o romance que o argentino Mempo Giardinelli publicou em 1995. Nesse livro, Mempo imagina que as autoridades de uma cidadezinha do Chaco, Puerto Barranqueras, resolvem combater uma praga vegetal importando uma pequena colónia de hipopótamos, animais que, sendo herbívoros de grande apetite, se alimentariam das plantas invasoras e ainda dinamizariam a economia e o turismo local. A decisão é anunciada com pompa e circunstância, num discurso que, como entre nós, não dispensa o auto-elogio à capacidade de, a cada instante, tomar as melhores, mais sábias e difíceis decisões em prol da pátria. Tal como, cá e lá, sucede com outras extraordinárias realizações públicas, a ideia da importação dos hipopótamos tem resultados desastrosos, mas, ainda assim, muito úteis para a economia narrativa. Sucedem-se as peripécias e os momentos de alta comicidade, de tal modo incríveis que o leitor supõe que coisas daquelas só aconteçam nos livros.

Puro engano. Soube recentemente que a história dos hipopótamos de Puerto Barranqueras pode, afinal, ter sido decalcada da realidade quase a régua e esquadro, imitando aquilo que sucede na Colômbia desde que o narcotraficante Pablo Escobar foi preso e o casal de hipopótamos que ele tinha no jardim ficou entregue à sua sorte. Um documentário recente do colombiano Antonio von Hildebrand revela como, em 1983, os animais chegaram à Colômbia num avião Hércules, na companhia de outros animais exóticos que deviam povoar o zoológico privado que Escobar criara na Hacienda Nápoles. Quando, dez anos depois, o traficante morreu, o contingente de cisnes, girafas, gazelas, zebras, cangurus, leões, crocodilos e tigres ficou entregue à sua sorte. Muitos dos animais foram roubados e até cozinhados e comidos, mas os dois hipopótamos sobreviveram e deram origem a uma numerosa e bem alimentada prole. São cerca de trinta e, constituindo a primeira comunidade desta espécie a viver em liberdade longe de África, vagueiam à vontade pela Colômbia, arrasando culturas, derrubando cercas, matando gado e assustando as populações da região.

“De todos os problemas que Pablo Escobar trouxe ao país, só nos faltava uma peste de hipopótamos a circular livremente e a flutuar pelas águas, sem que ninguém consiga controlá-los”, disse Antonio von Hildebrand aquando da apresentação do filme Pablo’s Hippos no Festival Internacional de Cartagena das Índias. Como todos os absurdos se parecem, um tipo lê as histórias do Chaco e da Hacienda Nápoles e, vá-se lá saber porquê, acaba pensando nas exóticas espécies de políticos e burocratas que cresceram alimentando-se avidamente da forragem da pátria, os quais, reproduzindo-se a cada ciclo eleitoral, acabaram conduzindo ao impossível equilíbrio das contas públicas portuguesas.


*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 12 de Abril de 2011