segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Mau-olhado*


Não é nada mal visto: alguns bruxos romenos lançaram, na semana passada, uma maldição contra o Governo e o Presidente da República, protestando, assim, contra o novo código fiscal daquele país, o qual obriga os praticantes da feitiçaria ao pagamento de impostos. O método utilizado será falível, os motivos da sublevação podem ser demasiado particulares, mas só um cidadão romeno sujeito a rigorosas medidas de austeridade saberá a que ponto a situação é desesperada e capaz de inspirar as acções mais desvairadas.

Mesmo não acreditando nem um bocadinho em bruxas, ocorre-me que também Portugal tem uma longa tradição de feitiçaria, infelizmente ameaçada pelo progresso, pela educação e pela desertificação do interior. Eu próprio descendo de uma linhagem de mulheres com poderes extraordinários, as quais, longe dos hospitais e das farmácias, praticavam rezas várias para talhar males do corpo e do espírito. A minha bisavó Emília, conhecida em Avitoure como “a Matatuda”, curava conjuntivites (treçolhos) e distensões musculares (pulso ou pé abertos) com simples mezinhas, as quais implicavam o uso de alguidares com água salgada e carrinhos de linhas. Eram magias benévolas, às quais a minha avó e a minha mãe não deram continuidade, embora uma e outra creiam sinceramente na existência de maldições como o mau-olhado e o mal-de-inveja, responsáveis pelo simples azar, mas também por doenças físicas, dessas que agora se tratam com analgésicos e antibióticos.

Não querendo ser acusado de utilizar este espaço para alimentar campanhas negras, é com o mais pragmático dos ânimos que me atrevo a considerar que a tradição nacional da bruxaria é um cluster muito mal aproveitado nos tempos que correm. Leio nos jornais, por exemplo, que os magos da Roménia justificam o lançamento de feitiços contra as autoridades com a insensatez que há em cobrar impostos a quem não ganha quase nada, e imediatamente me ocorre que há muito quem, em Portugal, se possa queixar da mesma coisa e que, portanto, talvez não fosse má ideia ponderar a possibilidade de lançar meia dúzia de bruxedos contra alguns indivíduos escolhidos a dedo: os que passaram vários anos a viver à grande, alimentados pelos impostos de todos, os que acumulam pensões milionárias do Estado, os que geriram danosamente o interesse público, os que enriquecem graças à miséria alheia e os que compram acções a preço de saldo e depois as vendem com lucros fabulosos a bancos cuja falência será evitada, outra vez, pelos impostos do pagode. Creio que sabem de quem estou a falar.

Proponho que a coisa se faça numa cerimónia pública e requintadamente encenada, com a presença de sapos, galinhas negras e sangue de virgens. O mau-olhado que assim se lançasse não teria, claro, poder absolutamente nenhum. Mas, havendo entre aquela gente quem acredite em entidades sobrenaturais e poderes invisíveis, religiões e assim, é sempre possível que alguns, devidamente sugestionados, acabassem por passar um mau bocado. E era bem muito feito.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 11 de Janeiro de 2011