sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Enquanto indivíduo a quem às vezes ocorre escrever livros
Na apresentação do seu mais recente livro, o qual há-de ter um título (que presentemente não me ocorre), António Lobo Antunes declarou que o próximo romance está a dar cabo dele, cumprindo, aliás, uma tradição bastante arreigada do autor, que sofre imenso para conseguir ser o melhor escritor do mundo e arredores, e agora, ainda por cima, tem que negociar cada novo livro com a própria morte, que costuma ser dura de roer e eu posso bem imaginar o tormento que aquilo constitui, é até possível que seja uma coisa mais arisca do que as reuniões do Teixeira do Santos e do Eduardo Catroga por causa do Orçamento do Estado. Invejo, apesar de tudo, o atormentado Lobo Antunes. Antes de mais, invejo-o pelo óbvio - eu atrapalho-me com as vírgulas e jamais conseguirei ser o melhor no que quer que seja, nem na bisca lambida ou no berlinde... Para além disso, enquanto indivíduo a quem às vezes ocorre escrever livros, sofro também tremendamente, mas isto sucede-me sobretudo depois de a coisa estar consumada, mais ou menos quando percebo que ninguém quer ler aquela bosta, nem sequer os meus supostos editores, e que ainda por cima posso ser responsável pelo sacrifício de meia-dúzia de árvores, e devo, apesar de tudo, tentar ajudar a vender alguns (poucos) exemplares e não tenho jeito nenhum para dizer frases como "a doença paira sobre tudo o que se diz, se pensa, se nomeia, sobre tudo o que existe" sem, pelo menos, me rir um bocadinho no final. Isto é uma merda. Vou tomar café e ver a chuva a fazer bolinhas transparentes nas vidraças.