sábado, 11 de setembro de 2010

Quando Mayra vem à cidade

(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)




Há certas épocas do ano em que as ruas do Porto se põem um pouco mais bonitas, e nem sempre é por causa do sol limpo da Primavera ou da luz clara das magnólias esvoaçando nos ramos nus dessas peculiares árvores, nas quais a flor se apresenta antes de qualquer folhagem. Há meses, como este de Setembro, em que mesmo as esquinas mais sujas e violentadas pela propaganda selvagem se transformam em sítios aprazíveis. Basta, afinal, que esteja marcado um concerto de Mayra Andrade num qualquer teatro das redondezas e que os cartazes que o anunciam tomem o lugar de todo o papel feio que ali existiu antes. A cidade passa a ter como que centenas de Mayras sorrindo, centenas de risos perfeitos e enternecedores, pelo que parece que os dias se tornam um pouco menos ásperos mesmo para quem não conheça a melodia doce do canto de Mayra e o pontinho escuro que ela tem no branco de um dos olhos.

Mayra Andrade vem, desta vez, cantar a Braga e, por isso, o Porto está outra vez contagiado pela luz morna que irradia dos cartazes que anunciam o espectáculo. O tom do anúncio é um pouco mais escuro do que é habitual, e Mayra tem no rosto um sorriso muito bonito e um pouco tímido, que parcialmente esconde com as mãos que tentam ocultar o rosto. Trata-se, pois, de um sorriso um pouco mais humano, como se Mayra quisesse, agora, apresentar-se como uma pessoa comum quando sabemos perfeitamente que ela não é deste mundo, que é como uma visão extraordinária ou um desses deuses gregos que, às vezes, por simples desfastio, desciam do Olimpo e se apresentavam diante dos mortais. Mayra Andrade é uma visão que canta.

Há alguns anos atrás, depois de ter decorado Navega de tanto o ouvir, fui a Guimarães para ver Mayra Andrade. No final do concerto, ela sentou-se numa mesinha tomando um chá quente e concedendo autógrafos aos crentes. Eu corri ao carro para ir buscar o meu CD e apresentei-me também diante do seu altar, devoto. Saudei-a em crioulo, no melhor crioulo de que fui capaz, e ela levantou os olhos para me perguntar se sou cabo-verdiano. Ali, a escassos centímetros de mim, Mayra pareceu-me ainda mais bonita do que aparenta nas fotografias, ou no palco, absolutamente mágica. Tremi, emocionei-me, a voz embargou-se-me e não fui capaz de dizer mais nada. Levei para casa o CD autografado. Guardo-o, desde então, como essa devoção patética dos católicos que possuem relíquias de Jerusalém. No meu caso, porém, eu vi claramente vistos os olhos da santa.