(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 31 de Agosto de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)
Ganha fama e deita-te na cama. O escritor peruano Bryce Echenique é considerado, palavras do próprio, “aquele que foi capaz de consumir maiores quantidades de álcool e o mais bêbado de todos os escritores latino-americanos”. Ele não se importa e nunca se deu ao trabalho de desmentir a reputação que se lhe colou.
Num recente encontro de escritores, celebrado na Bolívia, Echenique garantiu, porém, que, apesar da fama de boémio e dissoluto, é, na verdade, um indivíduo muito organizado e que só essa característica lhe permitiu escrever tantos livros. Afirma o peruano que, enquanto cria, se rodeia de um ambiente de “muito trabalho, muita ordem, disciplina e muito silêncio”. Alguns espantaram-se e quiseram perceber, nesse caso, de onde lhe veio a má reputação e porque nunca tentou contrariá-la. Ele respondeu que é simplesmente mais fácil viver com a má fama.
Há, claro que sim, escritores austeros, ascéticos e engomados, com vidas aborrecidas e rotineiras. Talvez alguns dobrem o pijama todas as manhãs e apenas bebam água mineral, mas a história da literatura está cheia, isso sim, de incorrigíveis bebedores e boémios estrepitosos. São geniais e são malditos, são um pouco loucos e, valerá a pena dizê-lo, são bastante mais divertidos do que as pessoas comuns. Bocage, Luiz Pacheco ou José Cardoso Pires são excelentes exemplos de maus exemplos e foram, de certeza, extraordinários convivas, tal como, no seu tempo, há-de ter sido o espanhol Lope de Vega, notável escritor, espadachim, bêbado e mulherengo.
Hunter S. Thompson (1937-2005), que detém o título de o mais bêbado dos escritores norte-americanos (empatado com Ernest Hemingway), declarou, certo dia, que detestava defender as drogas, o álcool, a violência ou a loucura. “Mas sempre funcionaram comigo”, acrescentou. E talvez tenham funcionado também com os outros oito autores que constam daquele top ten, entre os quais se contam Raymond Chandler, Charles Bukowski, Jack Kerouac e F. Scott Fitzgerald.
Igualmente famosos pela sua relação com as bebidas espirituosas são Graham Green, Truman Capote, William Faulkner e Herman Melville. A lista é enorme, ao ponto de a literatura norte-americana parecer, muitas vezes, directamente tributária da proximidade de um gargalo de garrafa.
O binómio bebida-criatividade, porém, não é exclusivo dos EUA. Basta pensar em Fiodor Dostoievski, Charles Baudelaire ou Vinicius de Moraes. Mais ou menos descaradamente, aliás, sucessivas gerações de escritores têm revelado uma particular propensão para o convívio com o álcool. Conheci, há alguns anos, dois jovens poetas catalães que, participando num encontro de escritores na Galiza, sempre reservavam uma garrafa de vinho do jantar para lhes fazer companhia durante os colóquios nocturnos. Um deles era um declamador extraordinário e ficámos de nos encontrar depois disso. “Havemos de beber como cossacos”, prometia. Pensando bem, beberíamos só como escritores.