sexta-feira, 15 de maio de 2009

Cindy

O Teatro Anatómico, sabei-lo bem, alimenta com denodo a sua função social. Não sei bem qual seja, mas suspeito que tenha alguma coisa a ver com essa teoria segundo a qual a escrita tem uma função terapêutica e previne, por isso, o opróbrio da loucura. Consequentemente, a simples existência e manutenção deste blogue adquire também uma dimensão económica: poupam-se uns trocos na conta da luz do serviço nacional de saúde por conta dos electrochoques adiados.

Ainda assim, o desígnio prioritário deste recanto virtual é, continua a ser, a sua profunda dimensão ética, estética e artística, assumindo-se o Teatro Anatómico como o ninho morno aonde as mais diversas manifestações culturais podem medrar e florescer. Vem tudo isto a propósito, evidentemente, do facto de ontem ter havido Quintas de Leitura no Teatro do Campo Alegre, tendo sido bestialmente agradável ouvir o Samuel Úria a cantar Paco Bandeira e Álvaro Domingues a ironizar sobre o bizarro país que cresceu nas margens da rua da estrada.

Se, em todo o caso, ainda não estão a ver aonde é que eu quero chegar com isto, importa referir, com a circunspecção possível, que a mais gloriosa literatura da noite foi a fulguração breve e a meia-luz do corpo de Cindy, a moça que passava diante da plateia anunciando os artistas num quadro com uma moldura de lâmpadas, compondo uma alegoria estética que combinava sabiamente o boxe em versão Las Vegas e o lupanar sofisticado. Pelo Teatro do Campo Alegre, não se duvide, têm passado muitos artistas extraordinários e grandes poetas, mas a silenciosa Cindy é, decerto, um dos melhores poemas que eu ali escutei.