segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Porque sim

 Com cerca de nove séculos a separá-los e estilos literários bastante díspares, Agostinho de Hipona (também conhecido como Santo Agostinho) e Dante Alighieri encetam, nas Confissões e n'A Divina Comédia, percursos bastante semelhantes para ascender à suposta revelação do divino. Já passados dos trinta anos de idade, começam por reconhecer o passado de pecado e abominação: «a direita via era perdida», escreve Dante logo na terceira linha; e Agostinho confessa-se dominado por toda a sorte de tentações veniais, do roubo à luxúria. Mas libertam-se ambos da «selva selvagem» do vício de formas distintas. Agostinho dilacerado pelo pecado (e graças à teimosia da mãe em fazer dele um cristão), Dante por via de um alegoria literária em que se vê diante do poeta Virgílio e este o leva em excursão a conhecer o Inferno e o Purgatório, entregando-o depois à defunta Beatriz para que ela lhe revele as alegrias do Céu. Resistem um pouco, mais um do que o outro, mas acabam rendidos aos sofismas da crença. Deus existe, é bom, foi o criador do mundo e enviou o filho para nos salvar - porque sim.