Segundo o El País, a exposição dos salmões às grandes quantidades de ansiolíticos que flutuam nos rios está a torná-los mais temerários e arrogantes, o que prejudica o comportamento que instintivamente os protege dos predadores. Ou seja: narcotizados, os peixes separam-se do grupo e correm mais riscos estúpidos, imitando, afinal, os drogados da espécie humana com poder suficiente para lançar tarifas, manipular preços e iniciar guerras.
Lembrei-me, por causa daquela notícia, de um poema do Alexandre O'Neill que, há uns anos, gozou do seu minuto de (má) fama, quando se viu declamado pela esposa de um político de espinha mole (e por isso capaz de vingar entre as agitadas águas saturadas de substâncias dopantes). Refiro-me ao poema que O'Neill dedicou ao cherne e que começa com os transtornados versos "Sigamos o cherne, minha Amiga!/Desçamos ao fundo do desejo/atrás de muito mais que a fantasia".
A ciência permite-nos hoje supor que o peixe Barroso cantado pela extremosa esposa talvez padecesse já então da intoxicação ansiolítica que afecta os salmões; e que o próprio Polyprion americanus do poema do O'Neill também não estaria totalmente livre de substâncias psicotrópicas. O poeta não teria, porém, como saber que perigos se ocultam num "peixe recalcado", seja americanus ou de outra nacionalidade qualquer. Mas tê-lo-á intuído, pois escreveu que "Em cada um de nós circula o cherne".
Num mundo cujos mares, rios e lagos se tornaram depósitos de substâncias tóxicas e microplásticos, há, quase de certeza, demasiado cherne e salmão envenenado a circular no sangue dos figurões que nos transtornam. Não os sigais, pois, que estão estragados.