domingo, 8 de agosto de 2021

"Peço para entoarem a 'Grândola Vila Morena'"















Determino que desejo ser sepultado em Castelo de Vide, em campa rasa, e utilizar o caixão mais barato do mercado; o transporte do mesmo deve fazer-se pelo meio mais económico, de preferência em viatura militar. Durante o funeral somente a presença dos amigos a quem peço para entoarem "Grândola Vila Morena" e "Marcha do M.F.A.".

Da declaração escrita de Salgueiro Maia, em Santarém, 28 de Junho de 1989


Visitei ontem a Casa da Cidadania Salgueiro Maia, em Castelo de Vide, recentemente inaugurada no castelo da vila. As últimas disposições do homem que libertou Portugal emocionaram-me, talvez por saber que a sua filha trabalha (ou trabalhou, não sei) como empregada de limpeza no Luxemburgo, como tantas outras portuguesas comuns às quais a revolução dos cravos não enriqueceu subitamente. Maia não quis privilégios e cumpriu escrupulosamente o quinto ponto do programa do MFA, aquele que determinava o "combate eficaz contra a corrupção". Emocionou-me também a voz do Adelino Gomes narrando a revolução, sem palavras para descrever o que via, e o som dos meus passos no cascalho do caminho que leva à porta da casa, quase igual ao dos passos marciais que abrem a gravação daquela reportagem, que guardo numa velha cassete. Cantei a "Grândola" enquanto marchava, uma lágrima no canto do olho. Espantou-me também que um museu do século XXI, que agora principia a ser visitado pelos turistas que passam na vila, não tenha uma única legenda em Inglês que os ajude a compreender o gesto heróico e limpo do melhor dos meus compatriotas.