terça-feira, 20 de outubro de 2020

O estado do tempo

Poucas coisas são tão ilustrativas do estado a que chegou a comunicação social portuguesa como o crescente espaço dedicado àquilo a que antigamente se designava pela expressão "boletim meteorológico". Nos últimos anos, os jornais, as televisões, as rádios e os sites transformaram a previsão do estado do tempo em assunto de constantes notícias, a bem dizer numa arte, anunciando ora o tempo seco e as vagas de calor, ora a banalíssima ocorrências de aguaceiros e as ventanias de Outono. Fazem-no como se, de algum modo, o mundo pudesse acabar durante a madrugada, revolvido até às entranhas pelos rigores de um tenebroso alerta laranja. Depois vai-se a ver a a borrasca não passava, afinal, de uma chuva de lineu, de um chuvisco absolutamente banal, de uma aguazinha que nem deu para regar as plantas do quintal. Mas os órgãos de comunicação social, mantidos agora sabe-se lá por quem, insistem e dizem que hoje é que vai ser, que esta manhã o tempo há-de piorar muito substancialmente, talvez ao ponto, imagino eu, tão delirante, de choverem cães e gatos. Quando, enfim, parece que a virtual tempestade dos supostos jornalistas abranda, é apenas sinal de que novas revoadas de estupidez hão-de soprar do quadrante oeste, trazidas pela ridícula superfície frontal daqueles que se entretêm a discutir o tronco nu do prsdte da repblca, essa espantosa novidade que há vários verões vemos mergulhar em toda a parte, das águas poluídas do Tejo de 1989 às praias fluviais do interior esquecido, passando pelas cálidas marolas algarvias onde os ingleses já não podem vir veranear, os grandes sacanas. Mas, se calhar, há nisto tudo algum sentido e as notícias do boletim meteorológico são apenas uma forma de ficarmos a par das possibilidades de ver o Marcelo a mostrar o cabedal em algum recanto da pátria, comentando, de passagem, a gripe do Cristiano Ronaldo ou qualquer outro assunto de estado tão relevante como, sei lá, o nível de humidade da nabiça ou os fungos no pé da dona Marizabel (que adivinha o tempo graças a uma pontada nas cruzes e não quer saber de meteorologias).