terça-feira, 16 de julho de 2019

Entre aspas

No conto O Imortal, que abre O Aleph (de 1949), Jorge Luis Borges escreveu que "se diz entre os etíopes que os macacos deliberadamente não falam para que não os obriguem a trabalhar". 
Gosto muito da frase e nem sequer é a primeira vez que aqui a cito.
Reparei entretanto, ao reler os Contos Argentinos que Borges organizou para a coleção A Biblioteca de Babel, que o primeiro conto dessa colectânea, Yzur, de Leopoldo Lugones, publicado em 1906, inclui a seguinte passagem: ..."os naturais de Java atribuíram a falta de linguagem dos macacos a abstenção e não a incapacidade. Não falam, diziam, para que não os façam trabalhar".
Na introdução que escreveu para os Contos Argentinos, Borges sublinha "a influência de Edgar Allan Poe e Wells" no conto de Lugones. Não me recordo, todavia, de alguma vez ter lido qualquer referência às influências de Leopoldo Lugones na obra de Borges, a quem, verdade seja dita, a mais elementar decência nunca permitiu que alardeasse uma originalidade inatacável. Numa entrevista à RTA, em 1985, quando o jornalista comenta que esteve a reler a sua literatura, Borges interrompe-o. "A minha literatura entre aspas...", diz. E mais adiante: "Eu não gosto do que escrevo".