sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Quando fui a Córdova e não pensei em Averróis

Quando atravessei a porta que dá acesso ao interior da velha Córdova e ao intrincado labirinto de ruelas que conduz ao que resta da antiga mesquita enxertada de cristianismo e, depois, ao Guadalquivir, os termómetros marcavam 50 graus centígrados. Nem sequer me ocorreu, por isso, que Averróis andou talvez caminhado naquele chão, meditando na ordenação aristotélica do mundo. Creio que só hoje, agora mesmo, enquanto lia um conto de Borges em que Averróis deixa de existir no momento em que o narrador deixa de acreditar em Averróis, me apercebi de que andei por Córdova como um tolo; e que talvez ali tenha sido conduzido pelo camelo cego do destino. Tolo e cego, não me concedi, por isso, o tempo suficiente para apreciar a suave fresca dos pátios e do interior dos edifícios, aonde o calor é menos inclemente. Andei simplesmente caminhando de um lado para o outro, indiferente à canícula e ao espírito do lugar, à memória de Averróis e a tudo o que excedesse a necessidade de lidar com as pequenas contrariedades fúteis que infernizam certos praticantes do turismo. Vim-me embora de Córdova pouco depois, conduzindo por uma estrada imensa e quente como um deserto. Pareceu-me a melhor forma de estar em lado nenhum e de fazer desaparecer Córdova e o que lá aconteceu.