sábado, 17 de agosto de 2013

Pitões das Júnias



Regressei há dias a Pitões das Júnias, mas não me lembrava de ter escrito, da última vez que lá estive, a crónica que agora aqui reproduzo a despeito da pouca frescura dos políticos a que faço alusão. Vendo bem, não mudou assim tanta coisa de 2009 para cá. A fotografia anexa é de Agosto de 2013 e mostra que o sítio continua como antes e que, se calhar, devia lá ter ficado.

Quando vai às compras em Paris, Palomar, o personagem de Italo Calvino, deixa-se encantar pelas fatias de patê de caça, pelas galantinas de faisão, pelo foie gras e pelos salames, para não falar dos queijos que, sedutores, “parecem oferecer-se como se estivessem sobre os divãs de um lupanar”. A lúbrica e gulosa pulsão, porém, logo cede ao espírito excessivamente analítico de Palomar, o qual tem o severo inconveniente de transformar as iguarias em objectos catalogáveis, classificáveis, simbólicos e, logo, despidos da sua essencial “glória pantagruélica”.

Eu tinha, felizmente, passado parte da tarde de sábado a ler o Palomar de Calvino antes de, combalido pela feijoada à transmontana do almoço, adormecer com a boca aberta na beira da piscina. Pude, por isso, precatar-me e, quando a noite chegou - e, com ela, o perigo de estragar com coisas desagradáveis uma refeição perfeitamente memorável -, o exemplo do senhor Palomar evitou que eu me entregasse a actividades e elucubrações perniciosas que, estou certo, podiam ter arruinado um fim-de-semana bastante simpático e reparador. Assim, estou muitíssimo grato a Calvino e ao restaurante D. João, de Montalegre, cujos funcionários não apenas me proporcionaram alguns instantes de pura delícia na forma de tenríssimas e suculentas costeletas de vitela dos lameiros do Barroso, e de não menos pecaminosas costelas mendinhas da mesma gloriosa origem, como, num raro gesto de bom senso e de bom gosto, mudaram de canal quando estava para começar o debate televisivo que opôs José Sócrates e Manuela Ferreira Leite.

Houve ainda um momento muito breve em que, regressado à estalagem, liguei a televisão e vi uma senhora a dizer umas coisas disparatadas que pareciam revelar a existência de uma conspiração tenebrosa, assim como uma história parecida com a lenda do cavalo de Tróia, mas com os malvados espanhóis no lugar dos gregos e um comboio muito veloz no lugar do traiçoeiro quadrúpede de madeira. Como, porém, tenho vindo a desenvolver uma técnica que me permite evitar coisas irritantes ou particularmente estúpidas, desliguei o aparelho e fui jogar snooker. É, sim, uma atitude pouco profissional, mas que há-de ter sido providencial para a correcta digestão das carnes barrosãs e para o bom ambiente das actividades subsequentes, pois dormi como um justo e, no dia seguinte, senti-me revigorado, pronto para fazer uma caminhada até ao mosteiro de Pitões das Júnias e para comer meio cabrito na Casa do Preto.

Não me livrei, ainda assim, de um rebate reflexivo: quando regressava a casa pelas curvas muito verdes das encostas do Gerês, o pequeno Palomar que há em mim advertiu-me para os aborrecimentos e irritações que me aguardavam, por força das quatro semanas de campanha eleitoral que aí vêm – e desejei, por isso, permanecer até meados de Outubro num sítio tão remoto que pudesse ter um nome pitoresco como Pitões das Júnias, vivendo como um eremita na beira do regato rumoroso que roça as paredes do mosteiro antigo.