Regressei há dias a Pitões das Júnias, mas não me lembrava de ter escrito, da última vez que lá estive, a crónica que agora aqui reproduzo a despeito da pouca frescura dos políticos a que faço alusão. Vendo bem, não mudou assim tanta coisa de 2009 para cá. A fotografia anexa é de Agosto de 2013 e mostra que o sítio continua como antes e que, se calhar, devia lá ter ficado.
Quando vai às compras em Paris, Palomar, o personagem de
Italo Calvino, deixa-se encantar pelas fatias de patê de caça, pelas galantinas
de faisão, pelo foie gras e pelos salames, para não falar dos queijos que,
sedutores, “parecem oferecer-se como se estivessem sobre os divãs de um
lupanar”. A lúbrica e gulosa pulsão, porém, logo cede ao espírito
excessivamente analítico de Palomar, o qual tem o severo inconveniente de
transformar as iguarias em objectos catalogáveis, classificáveis, simbólicos e,
logo, despidos da sua essencial “glória pantagruélica”.
Eu tinha, felizmente, passado parte da tarde de sábado a ler
o Palomar de Calvino antes de, combalido pela feijoada à transmontana do
almoço, adormecer com a boca aberta na beira da piscina. Pude, por isso,
precatar-me e, quando a noite chegou - e, com ela, o perigo de estragar com
coisas desagradáveis uma refeição perfeitamente memorável -, o exemplo do
senhor Palomar evitou que eu me entregasse a actividades e elucubrações
perniciosas que, estou certo, podiam ter arruinado um fim-de-semana bastante
simpático e reparador. Assim, estou muitíssimo grato a Calvino e ao restaurante
D. João, de Montalegre, cujos funcionários não apenas me proporcionaram alguns
instantes de pura delícia na forma de tenríssimas e suculentas costeletas de
vitela dos lameiros do Barroso, e de não menos pecaminosas costelas mendinhas
da mesma gloriosa origem, como, num raro gesto de bom senso e de bom gosto,
mudaram de canal quando estava para começar o debate televisivo que opôs José
Sócrates e Manuela Ferreira Leite.
Houve ainda um momento muito breve em que, regressado à
estalagem, liguei a televisão e vi uma senhora a dizer umas coisas disparatadas
que pareciam revelar a existência de uma conspiração tenebrosa, assim como uma
história parecida com a lenda do cavalo de Tróia, mas com os malvados espanhóis
no lugar dos gregos e um comboio muito veloz no lugar do traiçoeiro quadrúpede
de madeira. Como, porém, tenho vindo a desenvolver uma técnica que me permite
evitar coisas irritantes ou particularmente estúpidas, desliguei o aparelho e
fui jogar snooker. É, sim, uma atitude pouco profissional, mas que há-de ter
sido providencial para a correcta digestão das carnes barrosãs e para o bom
ambiente das actividades subsequentes, pois dormi como um justo e, no dia
seguinte, senti-me revigorado, pronto para fazer uma caminhada até ao mosteiro
de Pitões das Júnias e para comer meio cabrito na Casa do Preto.