domingo, 30 de junho de 2013

“Por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo”


(o texto que li esta tarde na segunda sessão de Não há feira, mas há escritores)

Talvez o engenheiro Álvaro de Campos, tão adepto de dar passeios “ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra”, pudesse apreciar a subtil poesia da gasolina queimada, a triunfal ode dos motores roncando ou o eflúvio lírico da borracha derretida no alcatrão junto à travagem para a rotunda do castelo do queijo. Creio, ainda assim, que Álvaro de Campos, se pudesse, estaria hoje connosco, aqui debaixo desta sombra, entre leitores, em vez de estar esturricando ao sol para ver as corridinhas da Avenida da Boavista.

Entre o estrépito e a fresca suave de uma tarde de verão, o bom gosto (ou ao menos o bom senso) costumam preferir a segunda opção. São manias cá nossas, das pessoas que não vivem sem livros, sem cultura e sem o direito de pensar pela própria cabeça. O ronco dos motores atrapalha-nos a normal laboração dos neurónios, enquanto os livros nos estimulam com a sua silenciosa babel de palavras.

O bom gosto, porém, como o bom senso, estão longe de serem categorias universais do entendimento. Não podem nem devem impor-se a quem prefira o barulho e a chavasqueira, do mesmo modo que, para citar o filósofo Vladimir Putin numa recente comunicação, não compensa particularmente proceder à tosquia de um porco. Obtém-se, neste caso, muito ruído (outra vez o ruído) e muito pouco pêlo. Sucede o mesmo com a Feira do Livro do Porto. Não adianta querer tosquiar o porco, pois dele não sairá lã suficiente, sequer, para fazer um cachecol. Pareceu-nos melhor proceder de outro modo: tricotar feira do livro de fantasia.

Nós que — Álvaro de Campos outra vez — seguimos “por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo”, levaremos daqui, se calhar, a memória de uma tarde bem passada e um braçado de novas histórias para ler e contar. Eles, os que apreciam o grito e o guincho, vão apenas, muito provavelmente, ganhar uma dor de cabeça e regressar a casa embriagados e anestesiados pelos gases do motor de combustão. “Sem propósito, sem nexo, sem consequência”.