quarta-feira, 24 de abril de 2013

Um galo na moleirinha

Digamos que o indivíduo foi estender os mofos ao sol e garatujar frases num caderninho. A tarde estava agradável, apesar de ventosa, e as velhotas acorreram em massa a bronzear os refegos entre o lixo que as marés atiraram para o areal. A esplanada também estava cheia: sobrava apenas uma mesa no canto mais exposto à nortada, à qual o sujeito abancou para aparafusar o primeiro gin tonic da estação.

A dado passo sentiu uma rajada de vento, notou o susto dos outros ociosos e percebeu que um dos grandes guarda-sóis ia tombar. Só não lhe ocorreu que o artefacto tomasse o rumo exacto da sua cabeça de vento, por um feliz acaso dura que chegue para amparar o choque. Regressou a casa com um galo na moleirinha duas ou três páginas escritas e a persistente sensação de que uma pancada daquelas podia, ao menos, ter a virtude de lhe sacudir as ideias — mas nem disso se pode gabar.