sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Soldados contra a crise? Somos só carne para canhão

No sábado passado, durante a apresentação de A Cortina dos Dias na antiga Cadeia da Relação do Porto, o Alfredo Cunha, creio que para responder a uma pergunta que lhe fizeram, disse que as fotografias do Portugal intervencionado pelo FMI na década de 1980 podiam perfeitamente ser feitas agora que 2013 está aí à porta e não vemos nenhuma luz lá fora. Depois de, esta tarde, ter folheado o livro com a atenção que merece, fiquei convencido de que o Portugal de 1980 ou 1970 é até muito mais parecido com o país actual do que me tinha atrevido a imaginar. Se comparadas, naquele preto-e-branco profundo e luminoso, as imagens da Amadora em 1970 e do Porto em 2011 são mesmo demasiado semelhantes. Uma parte do país talvez viva acima das suas possibilidades, circulando em auto-estradas e consumindo em centros comerciais, mas os pobres portugueses usam, hoje, exactamente as mesmas roupas e vivem nas mesmas ruas enlameadas e sórdidas de há 40 anos atrás. Levam o gado a pastar ao montes e, nas cidades, trocaram as barracas de madeira por casotas em bairros sociais. Mas o país é o mesmo. Inquietantemente igual. E muito parecido, por exemplo, com a Índia dos deserdados. O retrato resulta muitíssimo cruel. O Portugal de 2012, retratado também no álbum 12.12.12 por doze outros fotógrafos, é deprimente e dá vontade de chorar. Por isso, quando o primeiro-ministro convoca cada português para ser um soldado contra a crise, como hoje fez, devíamos ter bem presente que, nesta guerra como nas outras, somos apenas carne para canhão.