sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
O dia que nunca existiu
Não estou certo de que as mais criativas especialidades da física, incluindo a quântica e a das partículas subatómicas, sejam capazes de explicar tão estranho fenómeno, mas, desde que se tornou público que o governo da pequena república de Samoa decidiu saltar esta sexta-feira de modo a acertar o calendário, vários fenómenos estranhos começaram a suceder nos mais desencontrados sítios do mundo. Não sei como fizeram em Samoa, se ficaram simplesmente a dormir de quinta para sábado ou se encontraram outro modo de executar o pulo temporal que os transportou, de um segundo para o outro, do dia 29 de Dezembro para o dia 31, mas, entre nós, o inusitado acontecimento tem provocado os mais bizarros episódios. Vi um homem com o chapéu do avesso e outro que trazia as meias por fora dos sapatos, também estes trocados, o sapato direito no pé esquerdo e vice-versa. A água está a escorrer nos ralos em vórtices contrários ao sentido dos ponteiros dos relógios e os passarinhos passaram a voar misteriosamente, de papo para o ar, e parece que assobiando estranhas cantigas. Rui Rio foi visto a ler um livro (de Eugénio de Andrade; e parece que as letras da capa não estavam de pernas para o ar). Porcos pedalam excêntricas bicicletas. Ruben Focs não tem sido visto em Belo Horizonte e o escrivão Bartleby passou a fazer absolutamente nada oito horas e meia por dia, mesmo em alguns dias feriados. Um jornal desportivo, cujo nome não quero recordar-me, diz que o Benfica foi o campão nacional de futebol de um ano em que choveu de baixo para cima, como se o mundo estivesse todo de cabeça para baixo e um indivíduo com os pés bem assentes no chão não pudesse já saber o que é a verdade e a mentira entre tudo o que vê, lê e escuta, e, de certo modo, tivesse mesmo muita vontade de imitar os samoanos e saltar directamente de 2011 para um ano qualquer em que este país tivesse voltado a ser inteiro e limpo.