sábado, 24 de setembro de 2011
Correrão os neutrinos mais depressa do que o Vítor Gaspar?
Extraordinário é o universo imenso. Num dia é anunciado que a luz, viajando a 299.792 quilómetros por segundo, pode, afinal, ser mais lenta do que os neutrinos, que são aparentemente capazes de correr a 299.798 quilómetros por segundo na pista do acelerador de partículas do CERN. Fiquei inocentemente à espera de suspeitas de corrupção entre os técnicos da cronometragem, ou de que alguém garantisse ter visto os neutrinos apanhados no pecado da falsa partida, quando Vítor Gaspar, o ministro das Finanças, provocou nova comoção por essas galáxias afora, citando Médico de Província, o texto de Franz Kafka, para explicar os desafios que enfrenta o governo português. “Passar receitas é fácil, conseguir um entendimento com as pessoas é difícil”, citou Gaspar. E os portugueses reagiram perplexos, provavelmente recordados dos cortes prometidos para a Saúde e imaginando os médicos do serviço nacional da dita citando a citação de Gaspar de cada vez que quiserem ver renovada a receita dos comprimidos para o coração, para as tensões, para os nervos ou para qualquer outro achaque da vida moderna. Os médicos tentarão, em vez de passar as receitas, conseguir um entendimento com as pessoas, conversando longamente e discorrendo sobre o memorando da troika, os cortes no rating ou os juros da dívida pública. Lá fora, indiferentes ao drama individual, os neutrinos continuarão a sua correria desenfreada e Gregório Sansão, o beneficiário número tantos de tal da caixa de previdência, esperará não acordar no dia seguinte transformado num insecto ou num qualquer Vítor Gaspar da vida.