segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Quando fui contrabandista*
Coincidência de um raio: tinha planeado dedicar esta crónica a um caso de bananas — de contrabando de bananas, para ser mais exacto —, cujo pretexto seria uma história que o Diário de Notícias publicou há dias e que narrava a descoberta de uma rede de empresas fictícias que se dedicava a simular a importação de bananas e a fingir que as reexportavam para outros países comunitários, conseguindo, entre uma coisa e a outra, enganar o fisco em oito milhões de euros. Sendo eu também um pouco banana em matéria comercial, financeira e fiscal (entre outras), nem percebo muito bem como é que se criam esquemas para ganhar dinheiro fácil com algo tão simples e aparentemente inocente como o fruto da bananeira. Na qualidade de pessoa quotidianamente assaltada pelo fisco, tenho até alguma inveja desses indivíduos tão imaginativos, mas, para o caso, isto não importa nada, é só um desabafo. Pago e não bufo — e não se fala mais nisso.
Quis o acaso, ainda assim, que me tenha visto convocado para um trabalho jornalístico na ilha da Madeira, onde me encontro no momento em que escrevo isto, parecendo-me, pois, que nem de propósito encontraria sítio e pretexto mais adequados à concretização da dita crónica. De entre todas as bananas que há no mundo, nenhumas são, afinal, tão gostosas como as cavendish que crescem neste arquipélago, sobretudo quando estão naquele ponto em que ainda não amadureceram completamente, rescendendo perfume e sabor.
Junto, pois, o caso das bananas fraudulentas e o enquadramento que a ilha da Madeira proporciona, e conto a incrível e venturosa história da minha primeira viagem internacional. Devia ter uns doze ou treze anos e soube-se na minha rua de uma excursão a Vigo que aconteceria num sábado e, delícia das delícias, não custava um tostão aos participantes. Os meus avós paternos arranjaram lugar na camioneta para eles os dois e ainda para mim e para um primo meu que era afilhado deles, e eis-nos gloriosamente a caminho do desconhecido e então distante estrangeiro, das delícias do El Corte Inglés e dos caramelos.
A viagem ainda incluía, à época, um trajecto percorrido por estradas nacionais e complexas formalidades aduaneiras, as quais implicavam longas filas de trânsito em direcção à fronteira de Valença do Minho. O que eu não imaginava é que o regresso pudesse ser ainda mais complicado. Finda a jornada turística, regressamos à camioneta e só aí percebemos a gratuitidade da excursão. Tratava-se, afinal, de uma iniciativa de um grupo de vendedeiras do (extinto) mercado da Praça da Lisboa, as quais iam a Espanha comprar carradas de bananas, a tal ponto que é difícil imaginar tanta banana junta. Para retribuir o passeio, só tínhamos que guardar um enorme cacho no colo e dizer que a fruta nos pertencia se a Guarda Fiscal viesse pedir explicações. A coisa não correu lá muito bem, mas, em todo o caso, ganhei o dia: fui ao estrangeiro e ainda me estreei como contrabandista. De bananas, evidentemente.
*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 19 de Julho de 2011