segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ilha dos amores

(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 12 de Outubro de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)



A ser verdade que os homens, quando podem escolher, preferem as louras, sempre gostava de ser capaz de imaginar o que escreveria o nosso maior vate, Luís Vaz de Camões, se pudesse regressar agora às águas do Índico. Aí, na mesma área geográfica onde decorre o retemperador episódio da Ilha dos Amores, vai ser criado um paraíso artificial que não ficará a dever quase nada às delícias do canto nono.

De acordo com o jornal Corriere della Sera, uma empresa lituana está a preparar a criação de um luxuoso resort turístico num atol das Maldivas, fazendo questão de que todos os funcionários do empreendimento sejam moçoilas de cabelos dourados (“Duma os cabelos de ouro o vento leva/ Correndo, e de outra as fraldas delicadas”). Se o casting for eficiente, a criadagem será também curvilínea e de “alvas carnes, súbito mostradas”, capazes de acender o desejo dos clientes que, quinhentos anos depois da heróica gesta marítima lusíada, ali aterrem para repousar das canseiras da civilização.

Como não podia deixar de ser, o projecto da “ilha das louras” está já a provocar polémica. A população das Maldivas é maioritariamente muçulmana e a súbita inundação de mulheres bonitas não pode senão invocar pecaminosas ameaças, eventualmente não muito diferentes da pouca-vergonha que Camões já tinha imaginado: “Oh, que famintos beijos na floresta,/E que mimoso choro que soava!/Que afagos tão suaves! Que ira honesta,/Que em risinhos alegres se tornava!”. Andarão também ali as ninfas caçando os varões “cos arcos de ouro”, fazendo-se “primeiro desejadas”?

A juntar à ameaça dos pecados carnais, há também acusações de racismo e de violação da legislação local, que impõe aos investidores que pelo menos metade dos empregados seja recrutada entre os naturais das ilhas. As objecções, porém, não partem apenas da população autóctone. Sanita Jamberga, uma jornalista lituana, declarou à BBC que o projecto se resumirá a ser um local de prostituição. Os responsáveis pela Olialia garantem, todavia, que a ilha das louras vai ser uma realidade em 2015, prometendo conquistar mesmo aqueles que agora se lhe opõem. “Será um paraíso na terra”, asseverou Gierde Pukiene, a directora e mentora do projecto, que também garante a acutilância intelectual das futuras funcionárias - as quais, sendo louras, serão “todas inteligentes” e muito empreendedoras (à cautela, invoquemos Camões outra vez: “Sigamos estas Deusas e vejamos/Se fantásticas são, se verdadeiras”).

As dificuldades do tempo, já se sabe, desaconselham o desperdício das boas ideias de negócio. Tendo descoberto o caminho marítimo que leva às praias de águas transparentes das Maldivas, não souberam os portugueses, porém, inspirar-se nos versos de Camões e transformá-los em realidade, recriando a Ilha dos Amores para usufruto turístico. Perdida a oportunidade, saibamos ao menos, quando os lituanos concretizarem a mais prosaica ilha das louras, vender-lhe o melhor slogan que o resort poderá ter: “Melhor é experimentá-lo que julgá-lo”.