segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Homens quase nus

(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 13 de Julho de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)


O Mundial de futebol terminou e, após milhares de horas de televisão, nenhuma imagem me pareceu mais patusca do que aquela em que a rainha de Espanha aparecia num balneário masculino apertando a mão de um sujeito seminu, suado e com um ar algo selvagem, rodeada por outros homens transpirados. O indivíduo que mereceu a real atenção chama-se Carles Puyol e tinha acabado de marcar o golo que permitiu à Espanha continuar a sonhar e, no fim de contas, vir a sagrar-se campeã do mundo.

Carles Puyol é um indivíduo de aspecto rude, maciço e forte como um touro. Usa o cabelo comprido, com caracóis desgrenhados caídos sobre os olhos e sobre os ombros, como se não tivesse testa ou pescoço. Quando cumprimentou a rainha, tinha apenas uma toalha branca enrolada na cintura e parecia, inclusivamente, um pouco balofo (a minha filha acha-o tremendamente feio). O defesa-central do Barcelona é, em todo o caso, o exacto oposto do atleta apolíneo e belo, o mais distante possível do rigor clássico das olímpicas estátuas gregas. Olha-se para ele e é simplesmente mais fácil imaginá-lo como um sanguinário guerreiro medieval, distribuindo espadeiradas mortais e cortando cabeças a eito, com um brilho muito daninho nos olhos. É, contudo, um futebolista do século XXI, mesmo se também não parece, sequer, um futebolista. Não tem brincos de diamantes, nem tatuagens, nem penteados do último modelo. Não sei como se veste quando não está a jogar, mas suponho que as roupas da moda também não lhe caiam nada bem e que, por isso, pareça um moço humilde da província (supondo que ainda existem moços humildes na província).

Quando, no final do jogo das meias-finais, com a Alemanha, a rainha Sofia decidiu descer do camarote presidencial às catacumbas do estádio de Durban, levava a firme intenção de dedicar um momento especial ao tosco herói daquele combate. Tal como a chanceler alemã Angela Merckel quando festejou euforicamente cada um dos quatro golos que a mannschaft infligiu à Argentina, a cabeça coroada esqueceu-se dos protocolos e da rigorosa encenação que sempre precede as aparições públicas da monarquia. Se havia alguma coisa coreografada no seu gesto, a solenidade desfez-se no momento em que Sofia entrou no balneário e se viu diante de um grupo eufórico de homens de tronco nu, exaustos e sorridentes, que apenas mantinham uma compostura sumária.

Devia cheirar ali pelo menos tão mal como no meu autocarro esta manhã. Sem os perfumes franceses, os automóveis topo de gama e as namoradas de luxo, quase nus, os rapazes tinham voltado a ser apenas os plebeus humildes aos quais o gosto pela bola concedeu uma vida um pouco melhor do que aquela a que estavam condenados – gente campechana, normal, da rua, como disse o guarda-redes Casillas depois de ter beijado a namorada-jornalista em directo na televisão. Carles Puyol é apenas o mais plebeu de todos, o mais normal e parecido com um homem comum. O aperto de mão à rainha era só uma pequena parte da magia do pontapé na bola.