sexta-feira, 4 de junho de 2010

Três notas breves

(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)



(Em cima: frame do filme Ulime)


1. Conheci pessoalmente a Matilde Dias em Setembro de 2008, no Mindelo, e, no mesmo dia, creio, o Tambla Almeida, marido dela. Casal absolutamente supimpa! Recebo agora a notícia de que estrearam no passado dia 28 Ulime, uma curta-metragem realizada pelo Tambla e que combina a lenda do boi Blimunde com a história do capitão Ambrósio, a personagem de um poema de Gabriel Mariano que presta homenagem ao homem que liderou uma revolta popular no Mindelo contra a fome que, em 1975 (creio), grassava na cidade. O povo, conta-me a Matilde (que produziu o filme), invadiu a cidade e assaltou os armazéns onde se guardava a comida.
Não pude, pelos motivos óbvios, estar presente na estreia, mas desejo a Ulime a maior das sortes no trajecto que agora iniciou, mostrando-se ao mundo e encontrando o seu público. Fico, pois, ao longe - pensando nisso e imaginando-me uma espécie de capitão Ambrósio da amizade, juntando as minhas tropas para, um destes dias, voltar a invadir o Mindelo, exigindo alimento imaterial. Falo, claro, dos abraços e dos sorrisos, das conversas à volta de um grógu, do zouk na Cave, das noites mornas na baía.

2. Completei, um dia destes, os meus trinta e nove anos e a Vanessa armou-me um jantar-surpresa. Desconfiado como sou, percebi que havia alguma coisa no ar e, afinal, não me enganei muito. Mas não imaginava que o local da festa viesse a ser aquele que foi: o restaurante Novo Ambiente, de nha Iva, ali perto da Praça dos Leões, onde comi catchupa, bebi grogue, dancei funana na rua e falei crioulo (ou aquela espécie de crioulo atrapalhado que eu consigo falar). A noite do Porto estava quente como sucede poucas vezes e, também por isso, a festa foi sab - como estar em casa.

3. Numa entrevista ao Diário de Notícias, Pedro Pires, o presidente da república, declara, entre outras coisas, que “a diáspora cabo-verdiana é uma coisa interessante”. Para demonstrar as potencialidades do povo de Cabo Verde espalhado pelo mundo poderia invocar vários exemplos, de Horace Silver a Mayra Andrade, mas refere, antes, o facto de na selecção de futebol portuguesa haver três filhos de cabo-verdianos (Nani, Rolando e Miguel), mais um na selecção da Holanda e outro na da Suíça. É disto, também, que fala o conto Natch, que escrevi para o livro Fora de Jogo, que reúne sete histórias inéditas sobre futebol e está, por estes dias, a chegar às livrarias. Natch é um futebolista cabo-verdiano imaginário que adoptou a nacionalidade portuguesa, mas que, à noite, tem um pesadelo em que falha, com a camisola de Cabo Verde, um golo decisivo, angustiando-se com a espécie de traição que é não representar o seu país de origem. Será verosímil?