sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Ilha Nua

(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)



Muito de vez em quando, alguém me pergunta o significado de um dos endereços de e-mail que utilizo. Gosto de explicar que se trata de parte de um dos versos do hino nacional de Cabo Verde, precisamente aquele que fala do “pó da ilha nua”, frase que entendi ser uma alusão à ilha do Sal. Não tenho, obviamente, certeza disto. Simplesmente me pareceu que “ilha nua” é uma expressão que descreve com bastante exactidão, e de forma poética, a ilha desértica na qual apenas parecem florescer os hotéis (e na qual, a propósito, captei a fotografia que está na capa de Aonde o Vento me Levar, um dos meus fracassos literários).

Criei aquele endereço de e-mail quando, há alguns anos, alimentei a ideia insensata de iniciar uma publicação dedicada à actualidade cultural dos países de expressão oficial portuguesa. Como a tarefa é descomunal, e apenas contava com a minha insensatez e voluntarismo, ocorreu-me lançar um blogue experimental e limitado ao universo cultural de Cabo Verde. Entendi que me seria conveniente começar por um país pequeno e, depois, se as coisas corressem de feição e fosse conseguindo juntar a colaboração de outros loucos, poderia ir alargando o projecto a outros países, até atingir, quem sabe, o objectivo de criar uma revista de cultura lusófona.

O poético verso do hino de Cabo Verde acabou por dar nome ao blogue que, então, criei. O projecto faliu por si mesmo ao fim de alguns meses, como era inevitável que acontecesse, por me ter sido impossível mantê-lo sozinho (contei esporadicamente com a ajuda da Margarida Fontes). Mas mantive o endereço do e-mail e uso-o hoje para uma boa parte dos meus contactos. Orgulho-me dele, como me orgulho do meu CD da Mayra Andrade autografado, dos meus amigos crioulos, da minha pequena colecção de música cabo-verdiana, das fotografias que aí tirei, da faixa de pano de terra que comprei no Cento Cultural do Mindelo ou dos pedaços de lava negra que trouxe do sopé do vulcão de S. Vicente na primeira vez que aí estive.

Orgulho-me desta minha peculiar crioulidade. E orgulho-me também, por isso, desse hino que nunca escutei e do qual apenas conheço os versos. Gosto dele porque não tem heróis do mar, nem carne humana marchando contra canhões, nem guerras, nem sangue. No hino que também é um pouco meu há, isso sim, o pó da ilha nua e sentinelas de mar e vento. Coisas suaves e pacíficas de gente que não quer ser mais do que é e que inventa palavra como “desamparinho” e “cretcheu”. É também por isso que gosto (tanto) de Cabo Verde.