(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 8 de Dezembro de 2009. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)
Para que os visitantes se lembrassem de que o homem também é um animal, o jardim zoológico de Varsóvia instalou um casal de humanos numa jaula de macacos. A iniciativa durou apenas alguns dias e destinava-se, segundo a vice-directora do zoo, Ewa Zbornikowska, a motivar uma reflexão em torno do lugar que o Homem ocupa no universo.
De acordo com a descrição de alguns jornais, os hominídeos estavam vestidos com peles, desgrenhados, e passavam o tempo a catar-se, a vigiar o fogo e a observar quem passava. Cheia de pilhéria, Ewa Zbornikowska garantiu ainda que o casal de humanos era bastante calmo e dócil. Não mordiam e ficavam apenas um pouco ansiosos por verem tantos desconhecidos passarem diante das grades.
Deve ter sido um espectáculo engraçado, mas preferia ter podido observar o momento em que o expediente dos patuscos hominídeos chegava ao fim e o casal selvagem saía da jaula para regressar a casa, já penteado e vestido com roupas comuns, eventualmente a bordo de um transporte público apinhado de outros humanos; como preparavam a refeição, que podia ser exclusivamente vegetariana, como a dos macacos, ou incluir um naco daquela carne artificial de porco recentemente inventada por investigadores holandeses, tão sintética como a ração para o gado; como os humanos se sentavam diante da televisão, embasbacados, e, depois, iam deitar-se debaixo de um edredão. Talvez, então, acasalassem monotonamente, envergando um preservativo.
Se dependesse de mim, a verdadeira observação do animal contemporâneo que o homem é principiaria exactamente no instante em que os hominídeos deixavam de ser os selvagens do zoológico e passavam a ser cidadãos comuns. Na jaula de Varsóvia não estaria, pois, um casal voluntário de actores representando uma visão folclórica do passado, mas antes uma pequena comunidade representativa da espécie actual.
Não podiam faltar um banqueiro, um administrador de empresas, uma fêmea demasiado magra e estéril e uma mulher-a-dias, um desempregado, um juiz e um deputado; haveria ainda um laptop, um telemóvel, um automóvel e uma montra – pode, de algum modo, dizer-se que os humanos vivem e trabalham com o intuito único de poderem adquirir os objectos, bens e serviços que estão nas montras, destruindo, neste afã, o seu próprio habitat. Em vez de vigiarem o fogo, os hominídeos vigiar-se-iam uns aos outros, comparando os telemóveis, os automóveis, os sapatos, as carteiras, o diâmetro da cintura, o tom do cabelo e os destinos de férias. Às vezes, quando achassem que não estava ninguém a ver, o animal banqueiro, o animal deputado e o animal administrador traficariam pequenos favores e procederiam ao despedimento colectivo de algumas centenas de humanos-obreiros, aos quais lançariam, condescendentes, alguns trocos, correndo depois a gastar o que pouparam em ordenados num apartamento de sete assoalhadas com vista para o mar.
Mas, calhando, basta continuar a ver o Homem nos telejornais.