(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 1 de Dezembro de 2009. Hoje, como todas as terças-feiras, há mais)
Graças a essa espantosa invenção que é o correio electrónico, já fui contemplado esta manhã, e ainda são onze horas, com dois prémios de não sei quê, um depósito num banco brasileiro no qual não tenho conta, uma herança italiana e a promessa de ficar a saber o dia em que vou morrer. Por incrível que pareça, ignorei as eventuais vantagens materiais das outras mensagens e fixei-me na possibilidade, várias vezes reiterada nos últimos tempos, de poder aceder ao conhecimento do dia em que, enfim, exalarei o derradeiro suspiro, eventualmente velho e doente ou já daqui a dez minutos, jovem e bonito ainda.
(ficam avisados: se este texto for interrompido de modo abrupto, é provável que eu tenha sido fulminado por uma coisa qualquer)
Também me interessaram bastante as mensagens que há dias me foram enviadas de locais distantes e exóticos – de uma moça russa muito necessitada de ajuda e do governador do Banco Central da Nigéria, esta relacionada com uma fraude demasiado complexa para poder mobilizar a atenção de um pelintra ao qual a repetição da palavra “fundos” consegue apenas aborrecer ou irritar –, mas o anúncio da minha morte obrigou-me a meditar num assunto que não costuma ocupar-me especialmente, sobretudo porque meditar é um actividade que pratico poucas vezes.
A despeito das teorias segundo as quais a principal distinção entre o homem e os outros animais reside no facto de só nós termos consciência de que vamos morrer – tratando, por isso, de assegurar algum tipo de imortalidade, seja pintando a Capela Sistina ou escrevendo, como Quim Barreiros, a letra d’A Cabritinha – a morte e a sobrevida não me incomodam quase nada. Há dias, aliás, recebi outro útil e-mail, o qual me permitia ir seleccionando o destino a dar às minhas futuras cinzas. Entre ser transformado num diamante ou outras possibilidades igualmente perenes, pareceu-me especialmente adequada a opção que prevê a utilização dos meus restos mortais numa caixa de lápis. Lido, pois, com o juízo final de modo bastante prático e ameno e, na verdade, a expressão “é assustadoramente exacto”, inscrita no anúncio do dia em que morrerei, não me assusta absolutamente nada.
Se não fosse por ter a certeza de que a dita mensagem há-de ser uma forma de me embrenhar numa trapalhada qualquer, teria mesmo acedido à aplicação informática que, “através da leitura da mão”, me anunciaria a data exacta da minha morte, permitindo-me, portanto, planear convenientemente os dias que me faltam viver. Dependendo do resultado, poderia, por exemplo, meter folga até ao final da semana, aproveitar os saldos de Janeiro para comprar roupa quente para o Inverno de 2011 ou tratar de deixar escritas crónicas em número suficiente para ocupar este espaço durante a minha prolongada ausência. Caso esteja para morrer no próximo mês, lamento apenas a possibilidade de ir desta para melhor (ou para pior; ou para coisa nenhuma) sem conhecer um cálculo exacto do valor do défice em 2009. Calhando, ainda nenhum governante se lembrou de mandar ler a palma da mão pela internet.