terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Praia Grande


© (Praia Grande, S. Vicente, Cabo Verde)


Todo o exagero conduz, mais cedo ou mais tarde, a uma reacção de sinal contrário – é uma questão de esperar o tempo suficiente (ou de ficar suficientemente velho).

A parte do mundo que tem acesso aos solavancos da modernidade ainda está entusiasmada com o Messenger, o Twitter, o Facebook e a espantosa possibilidade de entupir a vida alheia com breves desabafos de 140 caracteres (logo se verá que moda pegará depois desta), mas já há, mesmo entre os adeptos da estonteante velocidade das novas tecnologias de comunicação, quem desconfie da absoluta bondade da vida online. São, está bom de ver, sujeitos que principiam a tornar-se botas-de-elástico (soberba expressão de outros tempos): desligam o telemóvel quando se vão deitar, passam o fim-de-semana longe do computador, recusam entender o Twitter e apagam a conta do Facebook quando deixam de conseguir saber como estão os amigos, subitamente afogados pela permanente tuítada (horrenda expressão dos novos tempos) de certas e determinadas pessoas.

Na verdade, ninguém necessita, nem é capaz, de saber permanentemente tudo sobre todas as coisas. Há, ainda assim, quem tente fazê-lo e acabe por viver numa espécie de permanente jet-lag digital. É o que diz, num manifesto recentemente publicado no Wall Street Journal, John Freeman, um dos editores da prestigiada (e muito trendy) revista Granta. Naquele artigo, que resume o espírito do livro A Tirania do E-mail, Freeman considera que os novos meios de comunicação, cada vez mais rápidos, não são compatíveis com um estilo de vida humanamente razoável. “A internet forneceu-nos uma quantidade de informação quase ilimitada, mas a velocidade a que funciona – e a que nós, por causa dela, trabalhamos – privou-nos dos seus benefícios”, escreveu.

Nesta espécie de manifesto pela comunicação lenta, Freeman pergunta, por exemplo, “quantas das nossas recordações mais felizes foram criadas em frente ao monitor?”. É uma boa questão.

Se passar em revista os últimos meses da minha vida, vejo que retive apenas instantes absolutamente incompatíveis com a trepidação do quotidiano online: um ou outro livro, sorrisos, beijos lentos, abraços dos meus filhos e almoços e jantares demorados que incluíram acepipes como a perna de borrego leital de Marvão, a chamuça de alheira de Armamar, as costelas mendinhas de vitela dos lameiros do Barroso ou o arroz de cabidela da minha mãe – e vieram coros de anjos anafados entoar cânticos que só eu escutei.

Fujo agora, sempre que posso, das fontes de informação urgente e, com isto, ganhei tempo para ver o pôr-do-sol, saber em que fase está a lua e reparar nas folhas juntando-se em crepitantes tapetes sobre o pavimento. Quando me perguntam por um momento em que tenha sido realmente feliz, lembro-me de ter ido a correr sozinho até ao ponto mais afastado da Praia Grande, na ilha de S. Vicente, e de ali ter ficado a gritar o mais alto de que fui capaz, enquanto as ondas se desfaziam na areia com um rumor violento.

Não sabia, sequer, que era possível berrar assim. Nem tinha noção do bem que faz.

Crónica publicada no P2 do Público, no dia 29 de Setembro de 2009. Hoje, como todas as terças-feiras, há mais